COMO SALVAR O PAMPA?

Angela Escosteguy*

Recentemente fui a Livramento e fiquei apavorada com a paisagem. Onde está nosso Pampa e sua rica biodiversidade, base da nossa cultura e tradições? Por todos lados só vi imensas plantações de soja ou de árvores para papel, verdadeiros desertos verdes e as vezes algumas plantações de arroz ou pomares  E muito de vez em quando, um gadinho remanescente, como que esquecido e de longe parecendo um  bordadinho colorido e vivo naquela paisagem.

Isto tudo começou após a Segunda Guerra Mundial quando veio a Revolução Verde que modificou completamente os sistemas de produção de alimentos e convenceu a todos que o uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos, monoculturas  e a  intensificação dos processos produtivos iria acabar com a fome no mundo. Alguns anos depois foi a vez dos transgênicos  e a venda de sementes patenteadas, prometendo culturas resistentes à pragas, à seca e supostamente  mais nutritivas. Agora assistimos um narrativa crescente que a pecuária deve ser eliminada porque agride o ambiente e a solução então é passaremos a comer alimentos processados de base vegetal ou culturas de células produzidas em laboratório. A agricultura foi substituída pelo agronegócio.

Aliás isso já vem faz tempo. Primeiro condenaram  a banha de porco e logo todos passamos a usar óleo de soja. Depois foi a vez da manteiga, que deu lugar à margarina. Na sequência o ovo e as acusações sobre colesterol. Agora a ciência comprovou que a banha, a manteiga e ovos são mais saudáveis e muito mais ricos em nutrientes que os alimentos de base vegetal que os substituíram. E a carne, tão acusada,  fornece proteínas de alta qualidade e vários nutrientes, alguns dos quais nem sempre são obtidos com dietas vegetais. Ela contém  vitaminas como B12, B, retinol, ômega e ácidos graxos, vários minerais, (como cálcio, ferro e zinco) e uma variedade de compostos bioativos importantes. (Animal Frontiers, 2023).

FOTOS ACERVO IBEM.

Do ponto de vista ambiental, estudos recentes da FAO e da Universidade de Oxford mostram que  o gado bem manejado, aplicando princípios agroecológicos, pode gerar muitos benefícios, incluindo sequestro de carbono, melhoria do solo, biodiversidade, proteção de bacias hidrográficas e prestação de importantes serviços ecossistêmicos. Os herbívoros são parte natural dos ecossistemas mundiais e têm desempenhado um papel fundamental nos últimos milhões de anos. Como o número de herbívoros selvagens diminuiu bastante, em grande parte devido à ação humana, a manutenção de tais funções depende de uma gestão pecuária adequada. A pecuária deve ser aprimorada, mas não reduzida ou suprimida.

Não vejo outra maneira de salvarmos o nosso Pampa e sua biodiversidade se não for com ruminantes conduzidos com princípios agroecológicos. Isso sem falar na geração de trabalho e renda para milhares de pecuaristas familiares.

*Méd. Vet. Diretora do Instituto do Bem-Estar (IBEM)  e 

Coordenadora da Comissão de Pecuária Orgânica do CRMV-RS.

PECUÁRIA CONSERVATIVA NO BIOMA PAMPA

Por: Eduardo Antunes Dias *

O Rio Grande do Sul possui um bioma único, o Pampa, sendo que a sua fisionomia é composta por um mosaico vegetal com predominância de gramíneas (Poaceae) do ciclo fotossintético C3, de clima temperado, e C4, de clima quente, ambos estando presentes nos campos barba-de-bode da região das Missões, nos campos de solos rasos e de solos profundos da região da Campanha, nos campos sobre Areais, nos campos da Depressão Central, nos campos do Litoral e na vegetação savanóide da Serra do Sudeste (PILLAR e LANGE, 2015). Na atual época geológica do Holoceno, os bovinos realizam um papel semelhante ao dos herbívoros da megafauna (equídeos, camelídeos, cervídeos gigantes, tatus gigantes, preguiças gigantes, notoungulados, mastodontes, etc) que aqui habitaram até 10.000 anos atrás, no Pleistoceno (KERN, 1997).

Todas estas espécies herbívoras pastadoras, atuais e anteriores, coevoluíram com as espécies vegetais e fazem pressão de pastejo para a manutenção da diversidade das espécies de gramíneas dos estratos de porte baixo (prostradas) e de porte alto (cespitosas), além de contribuírem para o sequestro de carbono. A revisão de 115 estudos em 17 países do efeito do manejo da pastagem sobre a matéria orgânica do solo demostram que as taxas de sequestro de carbono podem chegar até a 3 t C/ha/ano (CONAT et al., 2001). Destaca-se que a bovinocultura está enraizada na cultura gaúcha desde a introdução do gado na época das Missões Jesuítica (século XVII), quando as etnias Charrua e Minuano dominavam o Pampa. Já nos tempos atuais a figura do Pecuarista Familiar que basicamente utiliza os elementos da natureza em sistemas de criação com até 300 ha, auxilia de sobremaneira na manutenção dos estoques bovinos no território e consequentemente conserva a vegetação nativa do Bioma Pampa (MAZURANA, DIAS e LAUREANO, 2016; WAQUILL, 2016).

Foto: Eduardo Amato Bernhard

O manejo adequado realizado no campo nativo por diversas técnicas que se valem do estádio fenológico e da estrutura do pasto, como o ponto ótimo de repouso do Pastoreio Racional Voisin (BERTON e RICHTER, 2011), ou a Oferta de Forragem de 12% do peso vivo de Matéria Seca (PILAR, 2009), ou o Índice de Conservação de Pastagens Naturais – ICP (PARERA, A. e CARRIQUIRY, 2014), ou os 40% de rebaixamento da altura inicial da pastagem no Pastoreio Rotatínuo (PRATES, 2018), são igualmente benéficas para a conservação deste Bioma, tanto que já foram encontradas 57 espécies vegetais em apenas um metro quadrado de campo nativo (GAUCHA ZH CLICRBS, 2015). É possível até mesmo regenerar áreas degradadas com o uso do manejo holístico de rebanhos bovinos (SAVORY, 2020). Quanto aos aspectos nutricionais da carne dos animais criados em campo nativo, esta tem menor teor de gordura total, maior teor de vitamina A, maior teor de ácidos graxos ômega-3, maior relação de ácidos graxos polinsaturados:saturados e maior teor de ácido linoleico conjugado (cLA), sendo que estes últimos elementos têm propriedades anticarcinogênicas e reduzem os riscos de doenças coronarianas (BRIDI, CONSTANTINO e TARSITANO, 2016).

Portanto, o incentivo ao desenvolvimento de uma cadeia econômica de baixo carbono que priorize a conservação e o uso sustentável dos elementos naturais, a produção de alimentos orgânicos com terroair único, a denominação de origem, bem como com a promoção do turismo rural e ecológico, é uma estratégia adequada e eficiente para a conservação do Pampa.

*Eduardo Antunes Dias, médico veterinário, professor dos cursos de Agroecologia e Licenciatura em Educação do Campo da FURG, Campus São Lourenço do Sul. Email: eduardo.dias@furg.br

REFERÊNCIAS:

BERTON, C. T.; RICHTER, E. M. Referências Agroecológicas Pastoreio Racional Voisin (PRV). CPRA:Curitiba, 2011. Disponível em: <https://www.bibliotecaagptea.org.br/zootecnia/forragens/livros/REFERENCIAS%20AGROECOLOGICAS%20PASTOREIO%20RACIONAL%20VOISIN.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

BRIDI, A. M.; CONSTANTINO, C.; TARSITANO, M.A. Qualidade da carne bovina produzida em pasto. GPAC – UEL. 18 p. Disponível em:<http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gpac/pages/arquivos/Qualidade%20da%20Carne%20de%20Bovinos%20Produzidos%20em%20Pasto.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

CONANT, R. T. et al (2001) Grazing land management and conversion into grazing land: effects of soil carbon. Ecological Application, 11:343-355; Braga G. J. (Jan-Jun 2010).

GAUCHA ZH CLICRBS – EDUCAÇÃO E TRABALHO. 27/02/2015. Biodiversidade: Cientistas encontram 57 espécies diferentes em um metro quadrado no Pampa. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2015/02/cientistas-encontram-57-especies-diferentes-em-1-m-no-pampa-4708525.html>. Acesso em 29/05/2023.

KERN, Paleopaisagens e povoamento pré-histórico do Rio Grande do Sul. In: Arqueologia Pré-Histórica do RS (eds. Kern A., Jacobus A., Ribeiro P.M., Copé S., Schmitz P.I., Naue G. e Becker I.B.). Mercado Aberto Porto Alegre, pp. 13-61.

MAZURANA, J.; DIAS, J. E. LOUREANO, L. C. Povos e comunidades tradicionais do Pampa. Pecuaristas Familiares. p. 69-100. Porto Alegre : Fundação Luterana de Diaconia. 2016. Disponível em: <https://fld.com.br/wp-content/uploads/2019/06/Livro-povos-e-comunidades-tradicionais-do-pampa.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

PARERA, A.; CARRIQUIRY, E. Manual de Prácticas Rurales associadas al Índice de Conservación de Pastizales Naturales (ICP). Aves Uruguay :  Projecto de Incentivos a la Conservacion de Pastizales Naturales del Cono Sur de Sudamérica. 204 pp. 2014. Disponível em: <https://pastizalesdelsur.files.wordpress.com/2014/03/manual-icp-18-03.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

PILLAR, V. P.; LANGE, O. Os Campos do Sul/ Porto Alegre:Rede Campos Sulinos – UFRGS, 2015. Capítulo 13 – Produção animal com base no campo nativo: aplicações de resultados de pesquisa. P. 175-198. Disponível em: <http://ecoqua.ecologia.ufrgs.br/Camposdosul/Campos_do_Sul_TELA.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

PILLAR, V. P. Campos Sulinos – conservação e uso sustentável da biodiversidade. Brasília: MMA, 2009. Capítulo 3 – Fisionomia dos campos. P. 31-42. Disponível em: <http://ecoqua.ecologia.ufrgs.br/arquivos/Livros/CamposSulinos.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

PRATES, A.P. Pastoreio Rotatínuo: o primeiro passo para intensificação sustentável. TCC para obtenção de grau pela Faculdade de Agronomia da UFRGS. 2018. 28 p. <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/187998/001084112.pdf?sequence=1>. Acesso em 29/05/2023.

SAVORY, A. Management must be holistic. Disponível em: <https://savory.global/holistic-management/>. Acesso em 29/05/2023.

WAQUIL, P. D. Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016, 288p. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/pgdr/wp-content/uploads/2021/12/2016-Livro-Pecuaria-Familiar-no-Rio-Grande-do-Sul-COMPLETO.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

IMPORTÂNCIA DA AMOREIRA  NA SUPLEMENTAÇÃO PROTEICA DE CAPRINOS A PASTO

Por Elisa Köhler Osmari*

Figura 1: Amoreiras (Morus alba) para suplementação animal

Além da raça e estágio de lactação, a produção de leite dos ruminantes é afetada pela sazonalidade da pastagem. O inverno sul brasileiro favorece pastagens hibernais de alto conteúdo de proteína bruta (PB), com alta resistência ao frio (Moreira et al, 2001) enquanto o verão propicia gramíneas tropicais. Contudo, existem períodos de vazio forrageiro, decisivos para animais em lactação. Nesse contexto, existe a alternativa da suplementação com família Moraceae. (Doringan et al, 2004). A árvore da amoreira (Morus alba) foi introduzida para cultivo do bicho-da-seda no país, antes da produção em massa de tecidos sintéticos. A amoreira possui importância farmacológica e nutricional (Souza, 2021; Barros e Amorim, 2019): na medicina tradicional chinesa, as folhas, frutos e caules de amoreira são usados no tratamento do Diabetes Mellitus, do colesterol, como sedativo, expectorante, analgésico, diurético e antiepilético (Zeni et al, 2010). As folhas da amoreira são ricas em flavonoides utilizados na indústria farmacêutica (Barros e Amorim, 2019; Wang et al. 2008). Não ocorrem grandes diferenças na composição bromatólogica entre amoreiras do gênero Morusdestinadas à produção de frutas. Já o seu uso para alimentação animal está relacionado às pequenas áreas de agricultura familiar, sendo historicamente usada na Ásia, sua região originária (Souza, 2021). 

Para suplementação de caprinos, a amoreira pode ser usada:

•          Como banco de proteína, em ramoneio;

•          Na forma picada no cocho, até 2 cm de diâmetro;

•          Como feno ou pré-secado picado;

•          Em último caso, como silagem, especialmente de folhas.

A maior seleção pelas cabras ocorre no pastejo no banco de proteína, onde os caprinos são soltos no pomar de amoreiras para pastoreio por 1-2 h/dia. Depois voltam para seus piquetes com gramíneas para obter alimentação mais balanceada entre proteína e energia. Além de palatável para caprinos, a amoreira possui folhas com altas quantidades de proteína, elementos minerais, menos celulose e melhor digestibilidade do que a folha de alfafa ou feno de soja (Dorigan et al, 2004). Por outro lado, os galhos finos picados com as folhas fornecem uma boa fonte de fibra efetiva, evitando a queda da gordura do leite, mesmo combinado com suplemento concentrado. O feno de amoreira é um volumoso proteico que, com tamanho de partícula (picado) ideal, não diminui a gordura no leite, ao contrário de dietas com alto teor de concentrados. Por favorecer a flora ruminal que produz esse equilíbrio de ácidos graxos desejáveis (Osmari et al, 2012), aumenta as gorduras saudáveis do leite como o ácido linoleico conjugado (CLA).

O feno pode ser usado para todos os ruminantes, sendo aconselhável, especialmente para vacas leiteiras, com menor seletividade do que os caprinos, não ultrapassar de 2 cm de diâmetro dos ramos a serem cortados para fornecimento no cocho. Se o diâmetro do picado for grande demais, retarda a digestão no rúmen pelas bactérias, limitando o consumo físico. Quando um animal enche o rúmen, mas não obtém os nutrientes necessários, a isso chamamos de fome oculta.

No caso de do consumo voluntário do feno de Morus alba por caprinos em pastejo sobre tifton+aveia, no experimento (Osmari et al, 2009) conduzido em Maringá-PR a espessura dos galhos não ultrapassou 1 cm (diâmetro). Mesmo picado, o feno de amoreira permitiu seletividade pelas cabras lactantes, com visível rejeição de frações do caule lignificado e potencialização da ingestão de proteína e de energia. A proteína bruta média de 20,10% e a digestibilidade in vitro (DIVMS) 72,85% foram afetadas pela espessura dos ramos, proporção de folhas, ocorrências de geada na fenação.

Na Índia, pesquisas sobre alimentação de caprinos exclusiva com amoreira, encontraram ingestão de energia limitada dependendo da meta de ganho de peso. Anbarasu et al (2004) verificaram uma econômica mistura volumosa proteica constituída por: folhas de Leucaena leucocephala, Morus alba e Tectona grandis(2:1:1) para atender 50% do requerimento protéico de cabras, em mistura com dieta basal de palha do trigo substituindo suplementos convencionais, sem efeitos adversos no consumo voluntário, na utilização de nutrientes, nas enzimas séricas ou no status imune. Ba et al (2005) verificaram, em dois experimentos, um aumento do consumo de matéria seca (MS) na ordem de 40%, com a ingestão total de 3,41 kg de MS/ 100 kg de peso vivo (PV) em caprinos em crescimento à pasto, quando a silagem de amoreira suplementar foi fornecida na quantidade de 0,75 kg/dia. Quando a silagem de amoreira foi ingerida sozinha, o consumo foi apenas de 3,02 kg MS/100 kg PV, superior ao consumo de 2,70 kg MS/100 kg PV da dieta somente com pastagem. Um consumo voluntário de 3,91 kg PV/100 kg PV foi relatado por Theng et al (2003), no Camboja, para caprinos em crescimento alimentados somente com folhagens verdes de amoreira, enquanto o consumo atingiu 4,98% do PV com a seleção pelo próprio animal através da suspensão da folhagem (haste com folhas). No entanto, faltam mais trabalhos no Sul do Brasil que expressem seu potencial na forma de desempenho animal para a produção de leite e de carne caprinos, bem como sobre a forma como é oferecida (feno, silagem ou fresca).

* Elisa Köhler Osmari é Zootecnista formada pela UFSM-RS, com Mestrado em Forragicultura pela UEM – PR. É analista na Embrapa Pecuária Sul, Bagé/RS, integrante do COBEA/CFMV e da Comissão de Pecuária Orgânica CRMV-RS. Contato: elisa.osmari@embrapa.br

Referências bibliográficas:

ANBARASU, C.; DUTTA, N., SHARMA, K., &amp; RAWAT, M. Response of goats to partial replacement of dietary protein by a leaf meal mixture containing Leucaena leucocephala, Morus alba and Tectona grandis. Small Ruminant Research, v.51, n.1, p.47-56, 2004.

BA, N.X.; GIANG, V.D.; NGOAN, L.D. Ensiling of mulberry foliage (Morus alba) andthe nutritive value of mulberry foliage silage for goats in central Vietnam. In: LivestockResearch for Rural Development, v.17, n.2, p.1-9, 2005. Disponível em:&lt;http://www.cipav.org.co/lrrd/lrrd17/2/ba17015.htm&gt;. Acesso em: 3/4/2005.

BARROS E AMORIM. Adição de folha de amoreira (Morus spp.) Como suplemento enriquecedor da multimistura. SaBios: Rev. Saúde e Biol., v.14, n.2, p.1-7, 2019.

DORIGAN, C.J.; RESENDE, K.T.; BASAGLIA, R. et al. Digestibilidade in vivo dosnutrientes de cultivares de amoreira (Morus alba L.) em caprinos. Ciência Rural, v.34,n.2, p.539-544, 2004.

MOREIRA, F.B.; CECATO, U.; PRADO, I.N. et al. Avaliação de aveia preta cv Iapar61 submetida a níveis crescentes de nitrogênio em área proveniente de cultura de soja.Acta Scientiarum, v.23, n.4, p.815-821, 2001.

OSMARI, Elisa Köhler. Production of Goat’s Milk and Fatty Acids Profile: A NewPerspective in Human Diet. In: Diego E. Garrote; Gustavo J. Arede. (Org.). Goats:Habitat, Breeding and Management. 1ed.Hauppauge: Nova Science Publishers, 2012, v.1, p. 39-70.

OSMARI, E.K.; CECATO, U.; MACEDO, F.A.F.; ROMA, C.F.C.; FAVERI, J.C.; AYER, I.M. Consumo de volumosos, produção e composição físico-química do leite de cabras F1 Boer× Saanen. Revista Brasileira de Zootencia, v. 38, n.12, p. 2473-2481.2009.

SOUZA, A.P. Aspectos anatômicos e farmacognósticos de folhas de amoreira. 2021. 16 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Bacharelado em Ciências Biológicas), Instituto Federal Goiano, Campus Rio Verde, Rio Verde, 2021. Disponíve em: &lt;https://repositorio.ifgoiano.edu.br/bitstream/prefix/2192/3/TCC_Aleandra.pdf&gt;.Acesso em: 02/02/2023.

THENG, K.; PRESTON, T.; LY, J. Studies on utilization of trees and shrubs as the sole feedstuff by growing goats; foliage preferences and nutrient utilization. July 2003. Livestock Research for Rural Development 15(7):17-37. v.15, n.7, p.17-37, 2003.

WANG, J.; et al. Isolation of flavonoids from mulberry (Morus alba L.) leaves with macroporous resins. African Journal of Biotechnology, v. 7, n. 13, p. 2147-2155, 2008.

ZENI, A. L. B.; DALL’MOLIN, M. Hypotriglyceridemic effect of Morus alba L., Moraceae, leaves in hyperlipidemic rats. Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 20, n.1, p. 130-133, 2010.

CERCA VIVA DE MANDIOCA NA AVICULTURA  AGROECOLÓGICA

Por: Márcia Guelber Salles*

A cerca viva de mandioca (Manihot esculenta Crantz) é uma tecnologia agroecológica que foi desenvolvida pela família de Lutemir e  Verônica Trés, em Jaguaré, Espírito Santo, no ano de 2005. A família queria dividir o cafezal para fazer o manejo rotativo das galinhas caipiras e utilizou as hastes do cultivo local de mandioca  para a implantação da cerca.

Era uma pesquisa participativa! Assim, a cerca viva da Família Trés também foi implantada na Unidade Experimental de Produção Animal Agroecológica – UEPA, no Incaper, em Linhares. Além de permitir a divisão dos piquetes de pasto da área de avicultura, essa tecnologia passou a ser monitorada para a avaliação de suas funções ecológicas e produtivas no sistema, como proteção contra fugas e entrada de predadores, fornecimento de sombra e produção de biomassa para alimentação das galinhas. 

Desde então os resultados são surpreendentes!
Em primeiro lugar porque é muito fácil implantar! São escolhidas as hastes mais retilíneas e vigorosas, que são plantadas em sulco, a uma profundidade de 0,20 m.  As hastes são dispostas em fileira num espaçamento de três a cinco centímetros e são aparadas após o plantio, na  altura  desejada, que em média alcança cerca de 1,50 m.

Para mantê-las firmes e favorecer o enraizamento é necessário um tutor a cada  três metros aproximadamente e uma haste de bambu ou ripa de madeira transversalmente, mantendo-as no prumo com o auxílio de um  fio de arame.

A cerca tem uma vida útil de aproximadamente três anos, o que dependerá do solo, dos tratos culturais, principalmente das podas!
As podas periódicas além de renovarem a cerca através da rebrota, são excelente material para a produção de feno ou ensilagem: uma fonte muito nutritiva, com alto teor de proteína e carotenos para a alimentação das aves.
Além destas funções, a formação arbustiva da cerca  proporciona uma sombra generosa para o abrigo das aves contra o sol e os ventos, melhorando o conforto térmico e o bem estar durante o pastoreio.

E assim, quando a cerca tiver que ser refeita, as estacas poderão ser retiradas do próprio cultivo, a porção superior poderá ser aproveitada para a fabricação de ração, após secagem e trituração das folhas e ramos finos, assim como as raízes,  beneficiadas em forma de mandioca puba ou farinha integral.

Possuindo tantos atributos, esta cerca apresenta custo bastante reduzido e grande eficiência, porque acima de tudo ela é viva e contribui para sequestrar carbono na natureza!

Márcia Guelber Salles, Médica Veterinária, autônoma. E-mail: marciaguelber@gmail.com.

LARVAS DE MOSCA SOLDADO NEGRO (HERMETIA ILLUCENS) NA ALIMENTAÇÃO DE GALINHAS

Por *Marcelo Tempel Stumpf 

A mosca Soldado Negro (Hermetia illucens – Figura 1) é um inseto que coloniza resíduos orgânicos e dejetos sólidos animais. Essa espécie é vista como um inseto benéfico, uma vez que converte resíduos, tais quais o esterco, restos de alimentos e outros materiais orgânicos (biomassa de resíduos), em proteína animal (biomassa de insetos) de excelente valor nutricional. Ao mesmo tempo em que diminuem impactos ambientais negativos, podem ser utilizados como alternativa alimentar para os animais de criação, como as galinhas.

Essas moscas apresentam um ciclo de vida de 45 dias, dentro dos quais passam por estágios de ovos, larvas e pupas (Figura 2) antes de se tornarem adultos. Esse período final da vida dura cerca de nove dias, quando as moscas consomem somente água (não se alimentam), se reproduzem, ovipositam e morrem. Seu uso como alimento para os animais é entre as fases de larva e pupa, quando contêm altos teores proteicos. Um compilado de estudos feito por Wang & Shelomi (2017) demonstra valores de proteína bruta na farinha de larvas de mosca Soldado Negro de 37,9% a até 47,6% quando as mesmas se alimentam de dejetos animais. Abd El-Hack et al. (2020) encontraram níveis proteicos acima dos da soja, com teores superiores em lisina e metionina, além de quatro outros aminoácidos. 

Seu uso na nutrição de aves já foi estudado (Ruhnke et al., 2017) e os achados demonstram que tal farinha é promissora fonte nutricional, garantindo satisfatória produção quando compõe dietas. Segundo dados dos mesmos autores, as larvas da mosca são altamente palatáveis e as galinhas apreciam seu sabor, até mesmo preferindo esse alimento ao invés dos baseados em trigo e soja. 

            Importante: a dificuldade em produzir farinha de larvas em grande quantidade, a ponto de ser uma fonte nutricional de longo prazo inserida em uma dieta formulada, faz com que esse tipo de alimento seja bem visto como um acréscimo à dieta, com as galinhas tendo nas larvas mais uma fonte de proteína. Nesses casos o ideal é fornecê-las vivas, logo após captura. 

            Para iniciar a produção de larvas é preciso de um ambiente no qual o ciclo de vida do inseto possa ocorrer. As moscas adultas necessitam de um local seco e abrigado onde possam botar os ovos; uma dica é usar papelão cortado ao meio (as moscas ovipositam nas fendas do papelão) e colocar sobre um local com restos orgânicos, podendo ser uma composteira ou recipiente contendo resíduos (mistura de esterco de aves e água é um bom atrativo).

           Quando eclodem, as larvas caem no resíduo orgânico e se alimentam de forma voraz, crescendo até atingir as fases de pré-pupa e pupa. Na fase de pré-pupa o inseto migra para um local seco para poder avançar no ciclo de vida. Com isso em mente, a captura pode se dar de diferentes formas, bastando haver uma rota para que os insetos saiam do composto orgânico em busca de um local seco. A Figura 3 traz um recipiente com resíduos orgânicos onde as larvas se alimentam e avançam em seu ciclo de vida; marcado com setas estão as rampas de fuga das pré-pupas, as quais conduzem os insetos até um balde de coleta. Cabe a ressalva de que não se trata de um sistema de criação sem controle nenhum e com dejetos/restos orgânicos sendo largados em qualquer local da propriedade, pois isso acaba atraindo outros insetos e roedores, sendo fonte de disseminação de patógenos

 Para melhor controle populacional, é possível o uso de tela no entorno do criatório (Figura 4).

Apesar de sua baixa utilização em sistemas de criação animal locais, pensar alternativas alimentares é sempre interessante quando tratamos de sistemas agroecológicos, os quais prezam pela otimização no uso da energia local e na maior autonomia de criadores e criadoras. 

Abd El-Hack, M.E. et al. Black Soldier Fly (Hermetia illucens) Meal as a Promising Feed Ingredient for Poultry: A Comprehensive Review. Agriculture, v.10, 2020. 

Ruhnke, I. et al. Feed refusal of laying hens – A case report. In Proceedings of the 28th Annual Australian Poultry Science Symposium, Sydney, New South Wales, Australia, 13–15 February 2017. pp. 213–216.

Wang, Y., Shelomi, M. Review of Black Soldier Fly (Hermetia illucens) as Animal Feed and Human Food. Foods, v.6, 2017

  • Marcelo Tempel Stumpf é Engenheiro Agrônomo pela UFPel, com mestrado e doutorado em Zootecnia pela UFRGS. Atualmente é professor do curso de Bacharelado em Agroecologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Contato: marcelo.stumpf@furg.br

RAÇAS E VARIEDADES DE GALINHAS PARA AVICULTURA ORGÂNICA

Med. Vet. Flávio Figueiredo*

A avicultura teve um período inicial quando, em diversas partes do mundo, foram selecionadas populações de galinhas para atender necessidades diversas e específicas, muitas vezes ligadas a determinadas regiões e suas peculiaridades culturais (1800 a 1900). Neste período houve uma estruturação destas populações que acabaram por se consolidarem em “raças puras”. Como exemplo temos as raças Leghorn (mediterrânea), Sussex, Orpington e Cornish (Europa), Rhode Island Red (USA) Brahma e Cochinchina (Ásia).

Logo após a avicultura assume um caráter comercial (1930 a 1970), quando são estabelecidos sistemas de produção ao ar livre, os quais possuíam semelhanças com os sistemas de produção orgânicos de hoje. Surgiram então novas raças, oriundas de cruzamentos entre as raças antigas. Exemplos são a New Hampshire, a Plymouth, a Wyandotte e a Gigante Negro de Jersey, nas quais a produtividade, a precocidade, a docilidade, a capacidade de forrageamento e a rusticidade foram selecionados.

A partir de 1960 a avicultura se desenvolve como uma atividade intensiva, quando o acesso ao ambiente externo foi restringido até se constituir em sistemas totalmente fechados (“industriais”). Para estes sistemas foram selecionadas populações oriundas de cruzamentos das raças puras, mas que sofreram um processo drástico de seleção, formando linhagens com índices produtivos extraordinários. As principais raças utilizadas foram a Leghorn e a Rhode Island Red para produção de ovos e a Plymouth e a Cornish para produção de carne.

Raças puras de produção: Wyandotte, Orpington e New Hampshire e Sussex sendo criadas para utilização como reprodutores em sistemas ao ar livre

Atualmente encontramos diversas linhagens industriais que estão disponíveis no mercado para serem utilizadas na avicultura industrial e que se adaptam também a produção orgânica e sistemas ao ar livre, das quais destacamos as variedades Isa Brown para produção de ovos e Hendrix para produção de carne.

Com o retorno dos sistemas de produção ao ar livre, surgiram novas linhagens também baseadas no cruzamento de raças puras, criadas para atender a nova realidade destes sistemas. A genética SASSO na França a EMBRAPA no Brasil apresentam diversas variedades com este propósito, sendo opções interessantes e com viabilidade econômica para os sistemas de produção ao ar livre. Estas variedades estão disponíveis e podem ser utilizadas com sucesso na avicultura orgânica. ́

Ainda é importante considerar as raças autóctones, que foram selecionadas ao longo de anos em diversas regiões do mundo fixando características produtivas importantes e adaptadas as culturas regionais onde foram estabelecidas.

No Brasil é destaque a raça Canela-Preta oriunda de cruzamentos de raças trazidas por imigrantes no período colonial que sofreram isolamento genético que permitiu a manutenção de suas características até os dias atuais.

A Canela-Preta é encontrada no nordeste brasileiro, e vem sendo pesquisada visando seu aproveitamento em sistemas de produção ao ar livre.

Contudo, as variedades hoje disponíveis para avicultura orgânica ainda deixam a desejar em alguns aspectos. A incapacidade de aproveitar satisfatoriamente os nutrientes contidos nos pastos e vegetais, a necessidade de alimentos com elevados conteúdos protéicos para viabilizar a produção, a baixa capacidade de forrageamento, e a baixa resliência são alguns exemplos de “gargalos” que podem ser superados.

Sem dúvida, as raças puras formadoras e as raças autóctones devem ser resgatadas e preservadas e ainda melhor estudadas, pois se constituem a base genética para seleção de novas populações para serem utilizadas na avicultura orgânica a qual preconiza em seus sistemas de produção o aproveitamento de alimentos alternativos, um baixo impacto ambiental, constante desafio ambiental e a ausência de tratamentos quimioterápicos.

  • Flávio Figueiredo é Médico-Veterinário pela UFPEL, com Mestrado em Bioquímica pela UFRGS. Membro da Comissão de Pecuária Orgânica do CRMV/RS. Atualmente é produtor de ovos orgânicos. Contato: flaviofigueiredo@gmail.com

PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS: PERSPECTIVA REAL DE REMUNERAÇÃO À PECUÁRIA ORGÂNICA

Por Por Ubiratã Mariano de Souza*

Foto destacada: Ovinos no sistema lavoura, pecuária e floresta: serviços ecossistêmicos precisam garantir a preservação do meio ambiente.

Sancionada com vetos pela Presidência da República em janeiro deste ano, a Lei 14.119/2021, tornou-se uma fonte de possível remuneração aos pecuaristas orgânicos inseridos em projetos agroecológicos bem estabelecidos, que contemplem serviços ecossistêmicos e a valoração do capital natural como ativo.
A Lei em questão, denominada Pagamento Por Serviços Ambientais (PSA), foi fruto de um intenso debate no Congresso por mais de 10 anos e aprovada em um amplo acordo, após muitas discussões, entre partes e agentes muitos distintos: produtores rurais, parlamentares da Frente Nacional da Agropecuária, empresas privadas, ambientalistas e o Governo.
É uma propositura avançada pois, em seu projeto original, traz a expectativa de uma governança a partir de um Colegiado integrado pelos atores acima citados, que possibilitará a escolha (via edital ou não) de projetos com demandas diferentes e a transparência da utilização dos recursos.
No entanto, este artigo foi vetado pela Presidência da República e já um movimento denso para a derrubada do veto, garantindo a oportunidade de uma maior transparência dos investimentos direcionados aos planejamentos bem focados, inclusive recursos de empresas do exterior ansiosas por garantir pagamentos por crédito de carbono, como já ocorre em diversos países do mundo.

O planejamento do projeto para obter pagamento por serviço ambiental precisa ser bem definido.

 

No entanto, mesmo e apesar dos vetos, a Lei 14.119/2021 prevê a aceitação de projetos muito diferenciados para o resgate dos recursos dispendidos na preservação do meio ambiente, tais como a diminuição da emissão de metano, a garantia de  mananciais e uso agroecológico do solo, por exemplo, mas que não já sejam amparados pela legislação em vigor.
Mas onde fica a agropecuária orgânica e agroecológica nesta questão? Como pode garantir os recursos aos produtores?
Primeiramente, é importante destacar que o PSA não é uma medida econômica simplesmente. E nem se trata de um empréstimo do governo e ou ajuda de empresas privadas para se utilizar no sistema produtivo, digamos assim.
Em sintéticas palavras é uma remuneração que visa ressarcir os produtores por custear a preservação de ecossistemas, biomas, mananciais de recursos hídricos e a estabilidade da biodiversidade, dentre outros serviços ecossistêmicos.
Esses serviços ecossistêmicos são parte integrante dos sistemas orgânicos devidamente certificados, e entendidos como capital natural a partir de um amplo entendimento agroecológico, conforme a compreensão de diversos advogados especializados em meio ambiente.
De acordo com estes  especialistas, o planejamento orgânico não é tão só um sistema produtivo diferenciado; e por garantir e manejar os serviços ecossistêmicos (aqui entendido como serviços ambientais) é possível e real a sua valoração. Ou seja: receber um pagamento ou remuneração por preservar.
Remuneração esta que está intimamente ligada à forma diferenciada com que os produtores orgânicos, entendidos agora como agroecológicos de fato, que poderá ser reinvestida no sistema produtivo para continuar na atividade e permanecer sustentável econômica como ambientalmente, justamente por garantir os serviços ecossistêmicos.
É importante frisar que a Lei 14.119/2021 é um instrumento inserido na Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), sendo embasada principalmente pelo Princípio Econômico do Protetor-Recebedor. E ainda garante a Perspectiva Precaucional instituída pela Constituição Federal. Portanto, é tradução ao economês: é uma relação de ganha-ganha.

* Ubiratã Mariano de Souza
Médico Veterinário pela Unipinhal (SP), Mestrando pelo Instituto de Zootecnia (Nova Odessa – SP), Pós-Graduando em Agronegócio pelo IBMEC (São Paulo). E-mail: biramariano@gmail.com

O AVANÇO DA SOJA SOBRE OS CAMPOS NATURAIS DO PAMPA BRASILEIRO

Por Juliana Gomes Moreira *

As pastagens naturais do bioma Pampa possibilitaram o profícuo desenvolvimento da pecuária de modo extensivo, tornando-se pilar na formação socioeconômica e cultural desse território em toda sua extensão. Estendendo-se por todo o território uruguaio, parte da Argentina e do Paraguai, a fração brasileira do Pampa está presente apenas na metade sul do estado do Rio Grande do Sul, região reconhecida pela prática da pecuária tradicional e pela qualidade de seu rebanho. Ainda que o histórico de pujança da pecuária no Pampa gaúcho seja bem mais significativo que o histórico de crises, é durante os períodos de crise e sob a égide da modernização do campo que as lavouras de soja começam a se expandir na fração brasileira deste bioma.

No início do século XXI a dinâmica econômica global provoca significativas mudanças no cenário agrário mundial. Nesse contexto, há considerável protagonismo da cadeia de grãos baseada em uma agricultura empresarial, implicando em progressiva introdução e ampliação de monoculturas no contexto brasileiro, especialmente a da soja. Em outras palavras, o rápido crescimento da área plantada com soja no Pampa brasileiro é um recorte local de uma dinâmica global na qual esse grão tornou-se uma das commodities mais importantes do mundo, servindo de base para a produção de alimentos industrializados, ração animal, combustível e centenas de outros produtos industriais.

Somente nos primeiros dezessete anos do século XXI, a agricultura registrou um crescimento de 26,5% (1,9 milhões/ha) ao passo que 2,5 milhões de hectares foram incorporados pelas lavouras de soja, no Rio Grande do Sul, conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na Pesquisa Agrícola Municipal de 2019. Ao mesmo tempo em que a soja ganha espaço, os campos naturais do bioma Pampa, tradicionalmente destinadas à alimentação de animais domesticados, reduziram em um milhão de hectares para o mesmo período, indicando possível substituição de áreas antes destinadas exclusivamente à atividade pecuária por lavouras de soja, como mostra a ilustração abaixo:

Evolução do cultivo da soja e diminuição dos campos naturais do bioma Pampa

Fonte: Mapbiomas, 2019.

O crescimento na demanda e a alta no preço da commoditie sincronizada com significativa expansão da bovinocultura de corte para a região da Amazônia brasileira, por exemplo, fomentou o debate dos impactos ambientais gerados pela atividade pecuária, levando a uma espécie de “demonização” da mesma. Os campos naturais, anteriormente considerados como natureza, em particular devido ao seu desenvolvimento pela pecuária, sofreram com essas críticas, principalmente o bioma Pampa, nos três países em que encontra-se. Essa situação ainda não está clara para pecuaristas gaúchos e atores locais envolvidos na atividade pecuária, visto a dificuldade em compreender como esse conjunto de fatores levou a pecuária extensiva a tornar-se vilã da exploração agrária no mundo rural, embora reconheçam as vantagens produtivas, ambientais e econômicas de um manejo adequado e da conservação dos campos naturais do Pampa proporcionados pela atividade.

Nesse cenário, particularmente no município de Dom Pedrito, um dos municípios mais representativos na dinâmica de transformação do bioma Pampa, encontram-se concentrados investidores da nova agricultura mecanizada, os quais encontraram nas estruturas já consolidadas das lavouras de arroz um profícuo território para implementação das lavouras de soja. Assim, entre os anos 2000 e 2017 as áreas cultivadas com soja cresceram 78.383 hectares e em 2017, já representavam 57% do total da área atribuída à agricultura no município, ao passo que a área de campos naturais foi reduzida em 38.890 hectares.

Essas transformações só foram possíveis com fortes incentivos por parte do Estado e do mercado à integração lavoura-pecuária, principalmente, destacando a importância da oferta de alimentos para os animais, propiciada pelas pastagens cultivas em restevas de soja no período de inverno. Uma das principais consequências desse aumento percebidas por alguns pecuaristas de Dom Pedrito, (sejam estes pecuaristas familiares ou grandes estancieiros) é a supressão das pastagens naturais do bioma Pampa e, paradoxalmente o aumento da dependência das pastagens cultivadas.

Diante deste contexto, a reflexão apresentada almeja fomentar  o levantamento de questões que auxiliem a compreender por que as pastagens naturais do Pampa estão sendo suprimidas e substituídas por lavouras de soja e pastagens cultivadas, em detrimento de um mercado promissor de carnes produzidas de forma sustentável e que vão ao encontro de um dos mais importantes Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela ONU, o de proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. Torna-se urgente a necessidade de diferenciar as pecuárias atualmente realizadas no Pampa, como também compreender de que maneira a expansão das lavouras vem acontecendo.

* Juliana Gomes Moreira. Graduada em Administração, Mestre e Doutoranda em Desenvolvimento Rural (PGDR), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: julianamoreira1985@gmail.com

A IMPORTÂNCIA DA CRIAÇÃO DE RUMINANTES NO CONTEXTO DA AGRICULTURA FAMILIAR

Por: Sebastião André Barbosa Junior *

Foto destacada: Assentamento Jardim (Moreno – PE)

Para introdução de nossa conversa vamos conhecer um pouco sobre o atual momento da criação de bovinos, caprinos e ovinos em nosso país. Ao analisar o documento “Produção da Pecuária Municipal 2018”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos que o rebanho de bovinos no Brasil é de 213, 5 milhões de animais, sendo o 2º maior rebanho do mundo, 1º lugar em exportação e 2º lugar na produção de carne. Na bovinocultura de leite, o país é responsável por 33,8 bilhões de litros, sendo o 6º lugar em produção no mundo. A região que mais contribuiu para esse crescimento nos últimos anos foi a Nordeste, com destaque para o estado da Bahia. Com relação a criação de pequenos ruminantes no Brasil, o rebanho caprino apresenta 10,7 milhões de animais, sendo que 93,9% destes estão localizados na região Nordeste, principalmente nos estados da Bahia e Pernambuco. A ovinocultura conta com um rebanho nacional de 18,9 milhões de animais, também com destaque para a região Nordeste, que detêm 66,7% desse plantel, tendo o estado da Bahia também grande contribuição.

O último Censo Agropecuário realizado pelo IBGE foi em 2017, este não diferenciou os estabelecimentos agropecuários em convencional e de base familiar, mas trouxe uma informação de extrema relevância, que foi a de que mais de 80% dos estabelecimentos agropecuários do Brasil tem menos de 50 hectares (IBGE, 2018). Partindo desse dado e refletindo sobre categorias da tipologia fundiária, percebe-se que a grande maioria dos estabelecimentos agropecuários do nosso país é de pequenos e médios agricultores e agricultoras, ou seja, são de base familiar.

Ao escrever esse artigo, tenho a proposta de trazer elementos sobre o importante papel desempenhado pela criação de ruminantes no contexto da Agricultura Familiar. Sendo este modelo de agricultura compreendido a partir da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que a caracteriza como uma agricultura desenvolvida numa unidade produtiva que apresente tamanho de até quatro módulos fiscais, que tenha a gestão e o trabalho realizados em sua maioria por pessoas da família e que a renda familiar seja predominantemente de origem das atividades desenvolvidas na unidade produtiva. A Agricultura Familiar é composta por pequenos e médios agricultores(as), assentados(as) de programas da reforma agrária, além de comunidades rurais tradicionais, envolvendo indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, dentre outros povos. Esse modelo permite uma produção diversificada, onde as pessoas desenvolvam uma relação com a terra não apenas produtiva, mas social, cultural e política.

Foto: Assentamento Mato Grosso ( Moreno – PE)

Mas qual será a contribuição da criação de ruminantes no contexto da Agricultura Familiar no Brasil? Essa pergunta pode ser respondida visitando o Censo Agropecuário de 2006, que foi a primeira pesquisa estatística oficial do país que levou em conta as características da Agricultura Familiar. A partir desse estudo conseguiu-se ter uma estimativa da participação da criação de ruminantes nesse contexto. No Brasil, foram recenseados 5.175.489 estabelecimentos agropecuários. Desse total, a agricultura familiar foi responsável por 4.367.902, correspondendo a 84,4% dos estabelecimentos agropecuários do país. As regiões com mais estabelecimentos de base familiar foram a Nordeste, com 2.187.295 (50%), a região Sul, com 849.997 (19,2%), e a Sudeste com 699.978 (16%).

O segmento da pecuária foi o mais desenvolvido e a bovinocultura esteve presente em mais de 50% dos estabelecimentos recenseados.  Num total de 2.673.176 de estabelecimentos com produção de bovinos, 2.151.279, ou seja, 80,48% caracterizavam-se como produções de base familiar. Desses, 831.943 estabelecimentos, em torno de 38,67% estavam localizados na Região Nordeste. A criação de bovinos no contexto da Agricultura Familiar contribuiu com mais de 40% do efetivo de bovinos no país, somando um total de 51.991.528 animais, naquele ano. Sobre a bovinocultura de leite, a produção de base familiar foi verificada em mais de 80% dos estabelecimentos desse segmento, com 1.089.413 unidades, produzindo 58% do total de leite de vaca. Indo agora para a criação de caprinos, com relação a produção leiteira, temos que 15.347 (84,4%) dos 18.063 estabelecimentos, eram de base familiar, e que naquele ano a Agricultura Familiar foi responsável pela produção de 67% do leite de cabra, correspondendo a 23.987.360 litros.

Foto: Assentamento Concórdia e Santa Crua ( São Lourenço da Mata – PE)

O Censo Agropecuário de 2006, apesar de antigo, nos possibilita projetar e relacionar suas estimativas sobre a Agricultura Familiar e a criação de ruminantes com os dados mais atuais. Essa breve análise, nos mostra primeiramente que o modelo de agricultura do nosso país é o da Agricultura Familiar, e que o Nordeste é a região que tem o maior número de estabelecimentos agropecuários desse modelo. Apesar da invisibilidade, marginalização, escassez de políticas públicas e de incentivos de uma forma geral, a criação de ruminantes em sua maioria é desenvolvida pelos pequenos e médios agricultores(as). Como ponto de reflexão e desafio, além da inquietação que os números já nos trouxeram, trago também com base no Censo de 2006, que 77,88% dos estabelecimentos agropecuários não receberam assistência técnica de nenhuma natureza. Lutar pela implantação de uma política pública permanente de ATER é fundamental para contribuir com a criação de ruminantes e para a Agricultura Familiar como um todo em nosso país.

* Sebastião André Barbosa Júnior – Médico Veterinário e licenciado em Ciências Agrícolas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, Mestre e Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária (PPGMV/UFRPE). Email: sebastiaoandre.jr@hotmail.com

A PECUÁRIA E A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS ADEQUADAS AO USO SUSTENTÁVEL DO BIOMA PAMPA

Por Christiane Severo*

O bioma Pampa contempla um conjunto de ecossistemas de grande biodiversidade, além de abrigar o aquífero Guarani, é considerado patrimônio natural, genético e cultural de importância global. No Brasil, foi reconhecido como bioma há relativamente pouco tempo, em 2004, quando deixou de ser considerado parte da Mata Atlântica. Sendo o único bioma que está presente em somente um estado da federação: o Rio Grande do Sul – RS, onde ocupa uma área de mais de 63% do território.


Foto: Fauna e flora encontradas no Pampa.

Apesar de sua riqueza, é o bioma menos protegido pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, tem a menor proporção de áreas legalmente protegidas se comparado aos demais biomas, representando somente 0,4% das áreas de conservação do país, e apenas 3,3% da área do bioma. Tal proporção é ainda muito pequena, e contrasta com o indicado na Convenção sobre Biodiversidade Biológica – CDB, da qual o Brasil é signatário, que prevê nas suas metas para 2020 uma proteção de pelo menos 17% de territórios de cada bioma.

A pecuária tradicional – extensiva, baseada nas pastagens naturais – é considerada a atividade mais simbólica do Rio Grande do Sul, caracterizando um modo de vida, tradições culturais repassadas por gerações, e relações específicas do homem com meio ambiente. Do ponto de vista ecológico-produtivo, é uma atividade propícia ao bioma e vice-versa, pois mantém a biodiversidade do mesmo, não representando uma ameaça ou degradação, uma vez que o campo nativo é considerado o ambiente ideal para a atividade. Nesse sentido, a pecuária tradicional é uma forma de conservar o bioma. O que pode ser ilustrado pela conhecida frase do ambientalista José Antônio Lutzenberger: “O pampa é uma das raras paisagens do planeta em que a exploração humana se encontra em relativa harmonia com o ecossistema.”

Apesar de sua importância, esta atividade tem sido marginalizada política e economicamente, pouco representada por organizações, e praticamente invisível para políticas públicas, que tradicionalmente privilegiaram os grandes produtores de commodities exportáveis e os integrados aos complexos agroindustriais.

Por falta de apoio, vontade política ou inadequação das políticas públicas, o fato é que os pecuaristas historicamente não tiveram acesso a políticas de crédito e custeio da produção agrícola do governo federal e tampouco às políticas estaduais. Mesmo com o PRONAF lançado em 1996, ainda há dificuldade de enquadramento, pois apesar das baixas rendas, os pecuaristas em geral possuem relativa extensão de terras.


Foto de Mônica Foldenauer

A situação do bioma é preocupante, o mesmo tem sofrido diversas pressões, pela acelerada expansão da silvicultura, do cultivo de arroz e de soja, e a recente ameaça de implantação de uma mineradora. A tendência é de redução de áreas de pastagens naturais em substituição por cultivos e a intensificação da produção em busca de produtividade, o que pode levar ao uso mais intenso do solo, com maior número de cabeças numa mesma área, levando finalmente à exaustão do mesmo.

Faltam políticas públicas adequadas tanto para a pecuária quanto à conservação do Pampa. Emergindo a necessidade de uma abordagem na qual os governos se valham mais do princípio da precaução, estabelecendo parâmetros para incentivos de atividades que possam ter impactos em outras, considerando valores e práticas tradicionais antes de promover incentivos que podem resultar perversos, tanto social como ambientalmente, a exemplo da soja, do arroz e do eucalipto no Pampa. É necessário pensar em políticas públicas mais efetivas na conservação do bioma Pampa, e a pecuária como uma oportunidade de uso sustentável do mesmo, e que, portanto, deveria receber mais apoio.

Mesmo considerando que onde há um incentivo sempre há ganhadores e perdedores, se estaria procurando reforçar o pecuarista tradicional como perdedor histórico que agora precisa ser recompensado.


Foto: Fauna e flora encontradas no Pampa.

*Christiane Severo: Economista e Mestre em Desenvolvimento Rural pela UFRGS, doutoranda em Políticas públicas, estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ. Membro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pecuárias (GEPPec/ UFRGS).