PECUÁRIA CONSERVATIVA NO BIOMA PAMPA

Por: Eduardo Antunes Dias *

O Rio Grande do Sul possui um bioma único, o Pampa, sendo que a sua fisionomia é composta por um mosaico vegetal com predominância de gramíneas (Poaceae) do ciclo fotossintético C3, de clima temperado, e C4, de clima quente, ambos estando presentes nos campos barba-de-bode da região das Missões, nos campos de solos rasos e de solos profundos da região da Campanha, nos campos sobre Areais, nos campos da Depressão Central, nos campos do Litoral e na vegetação savanóide da Serra do Sudeste (PILLAR e LANGE, 2015). Na atual época geológica do Holoceno, os bovinos realizam um papel semelhante ao dos herbívoros da megafauna (equídeos, camelídeos, cervídeos gigantes, tatus gigantes, preguiças gigantes, notoungulados, mastodontes, etc) que aqui habitaram até 10.000 anos atrás, no Pleistoceno (KERN, 1997).

Todas estas espécies herbívoras pastadoras, atuais e anteriores, coevoluíram com as espécies vegetais e fazem pressão de pastejo para a manutenção da diversidade das espécies de gramíneas dos estratos de porte baixo (prostradas) e de porte alto (cespitosas), além de contribuírem para o sequestro de carbono. A revisão de 115 estudos em 17 países do efeito do manejo da pastagem sobre a matéria orgânica do solo demostram que as taxas de sequestro de carbono podem chegar até a 3 t C/ha/ano (CONAT et al., 2001). Destaca-se que a bovinocultura está enraizada na cultura gaúcha desde a introdução do gado na época das Missões Jesuítica (século XVII), quando as etnias Charrua e Minuano dominavam o Pampa. Já nos tempos atuais a figura do Pecuarista Familiar que basicamente utiliza os elementos da natureza em sistemas de criação com até 300 ha, auxilia de sobremaneira na manutenção dos estoques bovinos no território e consequentemente conserva a vegetação nativa do Bioma Pampa (MAZURANA, DIAS e LAUREANO, 2016; WAQUILL, 2016).

Foto: Eduardo Amato Bernhard

O manejo adequado realizado no campo nativo por diversas técnicas que se valem do estádio fenológico e da estrutura do pasto, como o ponto ótimo de repouso do Pastoreio Racional Voisin (BERTON e RICHTER, 2011), ou a Oferta de Forragem de 12% do peso vivo de Matéria Seca (PILAR, 2009), ou o Índice de Conservação de Pastagens Naturais – ICP (PARERA, A. e CARRIQUIRY, 2014), ou os 40% de rebaixamento da altura inicial da pastagem no Pastoreio Rotatínuo (PRATES, 2018), são igualmente benéficas para a conservação deste Bioma, tanto que já foram encontradas 57 espécies vegetais em apenas um metro quadrado de campo nativo (GAUCHA ZH CLICRBS, 2015). É possível até mesmo regenerar áreas degradadas com o uso do manejo holístico de rebanhos bovinos (SAVORY, 2020). Quanto aos aspectos nutricionais da carne dos animais criados em campo nativo, esta tem menor teor de gordura total, maior teor de vitamina A, maior teor de ácidos graxos ômega-3, maior relação de ácidos graxos polinsaturados:saturados e maior teor de ácido linoleico conjugado (cLA), sendo que estes últimos elementos têm propriedades anticarcinogênicas e reduzem os riscos de doenças coronarianas (BRIDI, CONSTANTINO e TARSITANO, 2016).

Portanto, o incentivo ao desenvolvimento de uma cadeia econômica de baixo carbono que priorize a conservação e o uso sustentável dos elementos naturais, a produção de alimentos orgânicos com terroair único, a denominação de origem, bem como com a promoção do turismo rural e ecológico, é uma estratégia adequada e eficiente para a conservação do Pampa.

*Eduardo Antunes Dias, médico veterinário, professor dos cursos de Agroecologia e Licenciatura em Educação do Campo da FURG, Campus São Lourenço do Sul. Email: eduardo.dias@furg.br

REFERÊNCIAS:

BERTON, C. T.; RICHTER, E. M. Referências Agroecológicas Pastoreio Racional Voisin (PRV). CPRA:Curitiba, 2011. Disponível em: <https://www.bibliotecaagptea.org.br/zootecnia/forragens/livros/REFERENCIAS%20AGROECOLOGICAS%20PASTOREIO%20RACIONAL%20VOISIN.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

BRIDI, A. M.; CONSTANTINO, C.; TARSITANO, M.A. Qualidade da carne bovina produzida em pasto. GPAC – UEL. 18 p. Disponível em:<http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gpac/pages/arquivos/Qualidade%20da%20Carne%20de%20Bovinos%20Produzidos%20em%20Pasto.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

CONANT, R. T. et al (2001) Grazing land management and conversion into grazing land: effects of soil carbon. Ecological Application, 11:343-355; Braga G. J. (Jan-Jun 2010).

GAUCHA ZH CLICRBS – EDUCAÇÃO E TRABALHO. 27/02/2015. Biodiversidade: Cientistas encontram 57 espécies diferentes em um metro quadrado no Pampa. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2015/02/cientistas-encontram-57-especies-diferentes-em-1-m-no-pampa-4708525.html>. Acesso em 29/05/2023.

KERN, Paleopaisagens e povoamento pré-histórico do Rio Grande do Sul. In: Arqueologia Pré-Histórica do RS (eds. Kern A., Jacobus A., Ribeiro P.M., Copé S., Schmitz P.I., Naue G. e Becker I.B.). Mercado Aberto Porto Alegre, pp. 13-61.

MAZURANA, J.; DIAS, J. E. LOUREANO, L. C. Povos e comunidades tradicionais do Pampa. Pecuaristas Familiares. p. 69-100. Porto Alegre : Fundação Luterana de Diaconia. 2016. Disponível em: <https://fld.com.br/wp-content/uploads/2019/06/Livro-povos-e-comunidades-tradicionais-do-pampa.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

PARERA, A.; CARRIQUIRY, E. Manual de Prácticas Rurales associadas al Índice de Conservación de Pastizales Naturales (ICP). Aves Uruguay :  Projecto de Incentivos a la Conservacion de Pastizales Naturales del Cono Sur de Sudamérica. 204 pp. 2014. Disponível em: <https://pastizalesdelsur.files.wordpress.com/2014/03/manual-icp-18-03.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

PILLAR, V. P.; LANGE, O. Os Campos do Sul/ Porto Alegre:Rede Campos Sulinos – UFRGS, 2015. Capítulo 13 – Produção animal com base no campo nativo: aplicações de resultados de pesquisa. P. 175-198. Disponível em: <http://ecoqua.ecologia.ufrgs.br/Camposdosul/Campos_do_Sul_TELA.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

PILLAR, V. P. Campos Sulinos – conservação e uso sustentável da biodiversidade. Brasília: MMA, 2009. Capítulo 3 – Fisionomia dos campos. P. 31-42. Disponível em: <http://ecoqua.ecologia.ufrgs.br/arquivos/Livros/CamposSulinos.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

PRATES, A.P. Pastoreio Rotatínuo: o primeiro passo para intensificação sustentável. TCC para obtenção de grau pela Faculdade de Agronomia da UFRGS. 2018. 28 p. <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/187998/001084112.pdf?sequence=1>. Acesso em 29/05/2023.

SAVORY, A. Management must be holistic. Disponível em: <https://savory.global/holistic-management/>. Acesso em 29/05/2023.

WAQUIL, P. D. Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016, 288p. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/pgdr/wp-content/uploads/2021/12/2016-Livro-Pecuaria-Familiar-no-Rio-Grande-do-Sul-COMPLETO.pdf>. Acesso em 29/05/2023.

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