O AVANÇO DA SOJA SOBRE OS CAMPOS NATURAIS DO PAMPA BRASILEIRO

Por Juliana Gomes Moreira *

As pastagens naturais do bioma Pampa possibilitaram o profícuo desenvolvimento da pecuária de modo extensivo, tornando-se pilar na formação socioeconômica e cultural desse território em toda sua extensão. Estendendo-se por todo o território uruguaio, parte da Argentina e do Paraguai, a fração brasileira do Pampa está presente apenas na metade sul do estado do Rio Grande do Sul, região reconhecida pela prática da pecuária tradicional e pela qualidade de seu rebanho. Ainda que o histórico de pujança da pecuária no Pampa gaúcho seja bem mais significativo que o histórico de crises, é durante os períodos de crise e sob a égide da modernização do campo que as lavouras de soja começam a se expandir na fração brasileira deste bioma.

No início do século XXI a dinâmica econômica global provoca significativas mudanças no cenário agrário mundial. Nesse contexto, há considerável protagonismo da cadeia de grãos baseada em uma agricultura empresarial, implicando em progressiva introdução e ampliação de monoculturas no contexto brasileiro, especialmente a da soja. Em outras palavras, o rápido crescimento da área plantada com soja no Pampa brasileiro é um recorte local de uma dinâmica global na qual esse grão tornou-se uma das commodities mais importantes do mundo, servindo de base para a produção de alimentos industrializados, ração animal, combustível e centenas de outros produtos industriais.

Somente nos primeiros dezessete anos do século XXI, a agricultura registrou um crescimento de 26,5% (1,9 milhões/ha) ao passo que 2,5 milhões de hectares foram incorporados pelas lavouras de soja, no Rio Grande do Sul, conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na Pesquisa Agrícola Municipal de 2019. Ao mesmo tempo em que a soja ganha espaço, os campos naturais do bioma Pampa, tradicionalmente destinadas à alimentação de animais domesticados, reduziram em um milhão de hectares para o mesmo período, indicando possível substituição de áreas antes destinadas exclusivamente à atividade pecuária por lavouras de soja, como mostra a ilustração abaixo:

Evolução do cultivo da soja e diminuição dos campos naturais do bioma Pampa

Fonte: Mapbiomas, 2019.

O crescimento na demanda e a alta no preço da commoditie sincronizada com significativa expansão da bovinocultura de corte para a região da Amazônia brasileira, por exemplo, fomentou o debate dos impactos ambientais gerados pela atividade pecuária, levando a uma espécie de “demonização” da mesma. Os campos naturais, anteriormente considerados como natureza, em particular devido ao seu desenvolvimento pela pecuária, sofreram com essas críticas, principalmente o bioma Pampa, nos três países em que encontra-se. Essa situação ainda não está clara para pecuaristas gaúchos e atores locais envolvidos na atividade pecuária, visto a dificuldade em compreender como esse conjunto de fatores levou a pecuária extensiva a tornar-se vilã da exploração agrária no mundo rural, embora reconheçam as vantagens produtivas, ambientais e econômicas de um manejo adequado e da conservação dos campos naturais do Pampa proporcionados pela atividade.

Nesse cenário, particularmente no município de Dom Pedrito, um dos municípios mais representativos na dinâmica de transformação do bioma Pampa, encontram-se concentrados investidores da nova agricultura mecanizada, os quais encontraram nas estruturas já consolidadas das lavouras de arroz um profícuo território para implementação das lavouras de soja. Assim, entre os anos 2000 e 2017 as áreas cultivadas com soja cresceram 78.383 hectares e em 2017, já representavam 57% do total da área atribuída à agricultura no município, ao passo que a área de campos naturais foi reduzida em 38.890 hectares.

Essas transformações só foram possíveis com fortes incentivos por parte do Estado e do mercado à integração lavoura-pecuária, principalmente, destacando a importância da oferta de alimentos para os animais, propiciada pelas pastagens cultivas em restevas de soja no período de inverno. Uma das principais consequências desse aumento percebidas por alguns pecuaristas de Dom Pedrito, (sejam estes pecuaristas familiares ou grandes estancieiros) é a supressão das pastagens naturais do bioma Pampa e, paradoxalmente o aumento da dependência das pastagens cultivadas.

Diante deste contexto, a reflexão apresentada almeja fomentar  o levantamento de questões que auxiliem a compreender por que as pastagens naturais do Pampa estão sendo suprimidas e substituídas por lavouras de soja e pastagens cultivadas, em detrimento de um mercado promissor de carnes produzidas de forma sustentável e que vão ao encontro de um dos mais importantes Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela ONU, o de proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. Torna-se urgente a necessidade de diferenciar as pecuárias atualmente realizadas no Pampa, como também compreender de que maneira a expansão das lavouras vem acontecendo.

* Juliana Gomes Moreira. Graduada em Administração, Mestre e Doutoranda em Desenvolvimento Rural (PGDR), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: julianamoreira1985@gmail.com

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