A PECUÁRIA E A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS ADEQUADAS AO USO SUSTENTÁVEL DO BIOMA PAMPA

Por Christiane Severo*

O bioma Pampa contempla um conjunto de ecossistemas de grande biodiversidade, além de abrigar o aquífero Guarani, é considerado patrimônio natural, genético e cultural de importância global. No Brasil, foi reconhecido como bioma há relativamente pouco tempo, em 2004, quando deixou de ser considerado parte da Mata Atlântica. Sendo o único bioma que está presente em somente um estado da federação: o Rio Grande do Sul – RS, onde ocupa uma área de mais de 63% do território.


Foto: Fauna e flora encontradas no Pampa.

Apesar de sua riqueza, é o bioma menos protegido pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, tem a menor proporção de áreas legalmente protegidas se comparado aos demais biomas, representando somente 0,4% das áreas de conservação do país, e apenas 3,3% da área do bioma. Tal proporção é ainda muito pequena, e contrasta com o indicado na Convenção sobre Biodiversidade Biológica – CDB, da qual o Brasil é signatário, que prevê nas suas metas para 2020 uma proteção de pelo menos 17% de territórios de cada bioma.

A pecuária tradicional – extensiva, baseada nas pastagens naturais – é considerada a atividade mais simbólica do Rio Grande do Sul, caracterizando um modo de vida, tradições culturais repassadas por gerações, e relações específicas do homem com meio ambiente. Do ponto de vista ecológico-produtivo, é uma atividade propícia ao bioma e vice-versa, pois mantém a biodiversidade do mesmo, não representando uma ameaça ou degradação, uma vez que o campo nativo é considerado o ambiente ideal para a atividade. Nesse sentido, a pecuária tradicional é uma forma de conservar o bioma. O que pode ser ilustrado pela conhecida frase do ambientalista José Antônio Lutzenberger: “O pampa é uma das raras paisagens do planeta em que a exploração humana se encontra em relativa harmonia com o ecossistema.”

Apesar de sua importância, esta atividade tem sido marginalizada política e economicamente, pouco representada por organizações, e praticamente invisível para políticas públicas, que tradicionalmente privilegiaram os grandes produtores de commodities exportáveis e os integrados aos complexos agroindustriais.

Por falta de apoio, vontade política ou inadequação das políticas públicas, o fato é que os pecuaristas historicamente não tiveram acesso a políticas de crédito e custeio da produção agrícola do governo federal e tampouco às políticas estaduais. Mesmo com o PRONAF lançado em 1996, ainda há dificuldade de enquadramento, pois apesar das baixas rendas, os pecuaristas em geral possuem relativa extensão de terras.


Foto de Mônica Foldenauer

A situação do bioma é preocupante, o mesmo tem sofrido diversas pressões, pela acelerada expansão da silvicultura, do cultivo de arroz e de soja, e a recente ameaça de implantação de uma mineradora. A tendência é de redução de áreas de pastagens naturais em substituição por cultivos e a intensificação da produção em busca de produtividade, o que pode levar ao uso mais intenso do solo, com maior número de cabeças numa mesma área, levando finalmente à exaustão do mesmo.

Faltam políticas públicas adequadas tanto para a pecuária quanto à conservação do Pampa. Emergindo a necessidade de uma abordagem na qual os governos se valham mais do princípio da precaução, estabelecendo parâmetros para incentivos de atividades que possam ter impactos em outras, considerando valores e práticas tradicionais antes de promover incentivos que podem resultar perversos, tanto social como ambientalmente, a exemplo da soja, do arroz e do eucalipto no Pampa. É necessário pensar em políticas públicas mais efetivas na conservação do bioma Pampa, e a pecuária como uma oportunidade de uso sustentável do mesmo, e que, portanto, deveria receber mais apoio.

Mesmo considerando que onde há um incentivo sempre há ganhadores e perdedores, se estaria procurando reforçar o pecuarista tradicional como perdedor histórico que agora precisa ser recompensado.


Foto: Fauna e flora encontradas no Pampa.

*Christiane Severo: Economista e Mestre em Desenvolvimento Rural pela UFRGS, doutoranda em Políticas públicas, estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ. Membro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pecuárias (GEPPec/ UFRGS).

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