SOBRE OS ALIMENTOS DE LABORATÓRIO

                                                                                               Por:  Med. Vet. Silvia Terra

Para o cultivo de células em laboratório existe um aparato necessário em termos de equipamentos para fazer isso como: estufas de CO2, freezers -80C, meios de culturas caríssimos material plástico para cultura celular e reagentes. Trabalhei com cultura de células tronco de tecidos adiposo e linhagens celulares tumorais no mestrado e doutorado. A quantidade de lixo plástico gerado é absurda. O gasto energético pra manter estufas de CO2 e freezers a -80C é assustador.

Sem análise de risco para a saúde o ambiente os animais e as pessoas incluindo os produtores rurais vão lançando estas porcarias para as pessoas. Vamos ficar quietos até quando? E o modelo para o Brasil? Espero que não acreditemos que seja este.

Fora isso, em qualquer cultura celular não é fácil manter o cultivo num ambiente bidimensional. Não existe uma cultura perfeita que simule um tecido vivo dentro de um organismo. Isso requer culturas tridimensionais com suportes artificiais.

Quando consumismo carne de bovino ou outra espécie, ingerindo não só proteína. Ingerimos tudo que vem junto nessa estrutura tridimensionais natural como: vitaminas, gordura, cartilagem, vitaminas, minerais e ácidos graxos. Em um sistema de laboratório não é possível fornecer tudo isso, ou seja , além de mais caro para produzir, é um alimento mais pobre em nutrientes. Isso já era absurdamente caro antes da pandemia. Imagino quanto não está agora.

Nesta proposta perdermos a conexão com a nossa própria alimentação e origem do que consumimos. Um desastre. Sem falar nas citocinas que são necessárias pra induzir o crescimento celular .

Além disso, é assustador a quantidade de lixo gerada nos laboratórios de pesquisa de cultura de células. São muitas garrafinhas plásticas usadas para isso que são descartadas no lixo biológico. Não sei se isso tem reciclagem. Acredito que não, por ser descarte biológico. Outro fator importantíssimo é o uso contínuo de antibióticos nessas culturas. Eu usava gentamicina e fungicida para manter as células. Tudo isso em capelas fluxos que são muito caras .

As balas de CO2 pra manter as estufas são uma fortuna também. Não consigo entender qual a vantagem de investir em algo tão custoso. Entendo que a cultura celular é importante pra estudos com objetivo médico de tratamento de doenças como : Alzheimer, câncer , Parkinson, diabetes etc. Com a finalidade nutricional, acho insano e incoerente já que temos isso pronto no organismo animal.

Todos dependemos de proteína para viver, mas vamos tirar milhares de produtores e animais para ter um negócio lucrativo para algumas empresas ? Quando o produtor sair do campo não haverá mais ninguém cuidando dos territórios rurais, biomas e vida silvestre.

Vamos deixar os urbanos ditando como o rural deve proceder ?

*Silvia Terra, médica veterinária com doutorado em Bioquímica, pelo Departamento de Bioquímica da UFRGS.

 QUAL ALIMENTO QUEREMOS NA MESA?

Por Angela Escosteguy *

O dia mundial da alimentação nos convida a uma reflexão. Dois pontos são básicos: qual o melhor modelo de produção de alimentos e quais alimentos queremos para o futuro. Cada vez mais nos damos conta dos limites físicos do planeta, do crescimento da população, da destruição dos ecossistemas e da diminuição das terras agricultáveis tanto pelo  mau manejo quanto pelo avanço das cidades.

A revolução verde no século passado nos envolveu com sua tecnologia, com a avalanche de insumos químicos e suas promessas.  O arsenal de fertilizantes químicos, agrotóxicos, medicamentos veterinários e depois os transgênicos nos fascinaram,  mas não cumpriram sua principal promessa de acabar com a fome, além de provocar  inúmeros problemas de contaminação  do ambiente, pessoas e alimentos e, ainda,  elevar os custos de produção.  Sem dúvida houve grande aumento da produção de alimentos no mundo, entretanto  a fome não foi resolvida. E o Brasil é um claro exemplo disso, somos o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, principalmente grãos e carne e, no entanto,  33 milhões de brasileiros passam fome. A fome aqui não é por falta de comida. 

Em todo o mundo cresce a preocupação com o aquecimento global, com o uso de agrotóxicos e também  surgem questionamentos quanto os princípios éticos de criação dos animais mantidos em confinamento onde o bem-estar dos animais é comprometido. Nesta discussão surgem propostas bem diferentes, quase opostas. 

 Por um lado, multiplicam-se em vários países os modelos agroecológicos de produção de alimentos onde a preservação dos biomas e o bem-estar das pessoas e dos animais é priorizado. Aqui no Brasil, o consumo de alimentos orgânicos vêm aumentando ao redor de 30% ao ano desde a pandemia,  provavelmente pela percepção das pessoas de que os orgânicos são mais saudáveis em relação a possíveis resíduos químicos e mais nutritivos, além de mais saborosos. Segundo a FAO, os alimentos orgânicos têm maiores índices de vitaminas, minerais e Ómega 3. Nosso país com sua imensidão de terras férteis, abundancia de águas e clima ameno tem todas as condições para produzir alimentos de origem vegetal e animal em modelos agroecológicos que convivem,  preservam e recuperam biomas e os animais silvestres. 

Por outro lado,  entraram em cena os alimentos de base vegetal que usam  como emblema a ilusão de estar salvando o planeta e defendendo os animais. Porém, o que muitos desconhecem é que estes alimentos , na sua grande maioria, são provenientes de monoculturas vegetais que substituem a vegetação natural acabando com o habitat dos animais silvestres. Além disso, a maioria usa toneladas de agrotóxicos que envenenam e diminuem sensivelmente a recuperação dos biomas naturais. Aqui, do nosso Pampa resta cerca de 40% pelo avanço das lavouras principalmente de soja. E ainda, mais recentemente surgiram os alimentos ultra processados e células cultivadas em laboratório trazidos por empresas que apresentam soluções tecnológicas que visam substituir produtos de origem animal e outros alimentos. Assim, alimentos reais e ricos em nutrientes estão desaparecendo gradualmente. Tem mel que não é de abelhas, carne que não vem de animais , leite que não vem da glândula mamária de mamíferos, pescados que não vem da água, todos com um aparência, coloração, aroma e  sabor artificiais. Claro que todos somos livres para escolher o que queremos comer, mas o nome deve ser claro e não um engodo. Por que chamar de leite , carne, manteiga, queijo, mel, peixe, produtos oriundos de estratos de plantas ou do cultivo de células em laboratório? 

Para Vanda Shiva  “ a agricultura industrial está reinventando seu futuro com base na “agricultura falsa” com “alimentos falsos”, com produtos químicos e OGMs, drones de vigilância e spyware. Agricultura sem agricultores, agricultura sem biodiversidade, agricultura sem solo, é a visão de quem já nos levou à beira da catástrofe. É por isso que a carne artificial, investida pelos magnatas gigantes da pecuária industrial, não são alternativas viáveis. Nas últimas décadas, tivemos a ilusão de que os químicos e as corporações eram os que alimentam o mundo, mas o que realmente alimenta o mundo é a terra, o sol, a água, a fotossíntese, os insetos que polinizam os cultivos,  os micro-organismos que produzem nutrientes para as plantas e os animais que reciclam e fertilizam o solo e proporcionam nossos alimentos. A  comida deixou de ser uma fonte de nutrientes e se tornou um produto, algo com o qual se especula e se obtém um benefício econômico. A grande ameaça para o bem-estar do planeta e a saúde de seus habitantes é a agricultura globalizada e industrial e sua forma de produzir, processar e distribuir os alimentos”. 

E você, qual tipo de alimento prefere ter no seu prato?

Referências: 

SHIVA, V. ¿Quién alimenta realmente al mundo? El fracaso de la agricultura industrial y la promesa de la agroecología. Trad. Amélia Pérez de Villar. Madrid: Capitán Swing, 2017.

*Angela Escosteguy, médica veterinária, diretora do Instituto do Bem-Estar (IBEM), email: angelaibembrasil@gmail.com.

A vez dos alimentos orgânicos

Por Angela Escosteguy*

A pandemia foi um sonoro tapa na cara da humanidade. Nos mostrou o quanto precisamos de um sistema imunológico forte e de um ambiente saudável, apesar dos nossos avanços tecnológicos.

A preocupação em fortalecer as defesas naturais com dieta saudável provocou um aumento no consumo dos alimentos orgânicos em diversos países. Estudos na Europa relatam que mesmo com a crise, em 2020 houve aumento de cerca de 40% no consumo. Alguns chegam a firmar que o aumento só não foi maior porque não havia oferta.

Além disso, o Relatório da FAO sobre a Covid-19, publicado no ano passado foi muito claro ao afirmar que dentre as causas da pandemia estão a destruição dos ecossistemas e os confinamentos dos animais e que, se isto não for modificado, novos surtos virão. Neste contexto, os sistemas orgânicos e de base agroecológica assumem uma importância crescente. Há mais de 70 anos eles vêm se desenvolvendo com base nos princípios que incluem cuidados com os ecossistemas, com as pessoas e com o bem-estar dos animais. Estudos, como o do Rodale Institute dos EUA comprovam que estes sistemas são mais resilientes, sequestram mais carbono, precisam de menos energia, proporcionam melhor bem-estar aos animais e produzem alimentos de elevado teor nutricional e com menos possibilidades de terem resíduos tóxicos.

Estas informações vêm propiciando o aumento do consumo dos orgânicos pois além de livres de agrotóxicos, antibióticos, hormônios e outros contaminantes no seu sistema de produção, eles também têm mostrado serem mais nutritivos que os convencionais, na maioria dos estudos comparativos, embora haja variação conforme o solo e período do ano. Segundo a Universidade de Medicina Natural dos EUA, alimentos orgânicos fornecem níveis significativamente maiores de vitamina C, ferro, magnésio e fósforo do que as variedades não orgânicas dos mesmos alimentos. Citam também benefícios claros para a saúde do consumo de produtos lácteos orgânicos em relação à dermatite alérgica. Pesquisa do British Journal of Nutrition concluiu que leite e carne orgânicos são mais nutritivos que os convencionais pois contém 50% mais ômega 3. Estes resultados também foram encontrados na manteiga, iogurte, nata e queijos. O ômega 3 é um ácido graxo essencial fundamental para o crescimento, com importante função na prevenção e tratamento de doenças cardíacas, hipertensão, artrite, câncer, inflamações e desordens autoimunes. Numerosos estudos científicos, incluindo os do FIBL- Instituto de Pesquisas em Orgânicos, da Suíça, e da Universidade da Califórnia, comprovaram que carnes de animais alimentados em pastagens, como os orgânicos, têm mais ômega 3, além de maiores níveis de vitaminas A, E , CLA e menos gordura saturada e trans que carnes não orgânicas.

Conforme dados publicados este ano pelo FIBL com base em dados coletados em 2019, o mercado de orgânicos movimentou 106 bilhões de euros, está presente em 187 países e conta com mais de 3 milhões de produtores devidamente cadastrados. Aqui no Brasil, segundo uma pesquisa da realizada pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), através da Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis) a produção orgânica brasileira registrou um saldo bastante positivo em 2020 com um aumento de 30 a 50% conforme o produto, além de triplicar a produção devido à grande demanda. A gama de produtos é variada, não somente os tradicionais hortifrutigranjeiros, mas também ovos, mel, carne bovina e de frango, leite e derivados. Além da preocupação com alimentação saudável também observa-se aumento da preocupação com o ambiente e com os animais, o que vem impulsionando o desenvolvimento da pecuária orgânica, cujos princípios básicos são bem-estar dos animais e preservação dos ecossistemas nas criações de animais em pastagens.
A concepção de qualidade dos alimentos está evoluindo. Durante muito tempo eram considerados apenas os parâmetros do próprio alimento, tais como sanidade, sabor e valor nutricional. Mas agora estão sendo valorizados e demandados também aspectos que avaliam não somente o alimento em si mas também o sistema produtivo utilizado. Consumidores além de buscar alimentos de mais qualidade, se sentem felizes em apoiar os produtores rurais que são cuidadosos com os animais e com o ambiente, e passam a buscar nos rótulos dos alimentos estas informações. É o chamado consumo ético.

*Angela Escosteguy, médica-veterinária, diretora do Instituto do Bem-Estar (IBEM).
Artigo publicado no jornal Sul 21, em 09/10/2021.

O CONSUMO DE OVOS GALADOS E A PRESENÇA DO GALO EM SISTEMAS AGROECOLÓGICOS DE CRIAÇÃO DE GALINHAS

Por Eduardo Antunes Dias*

Foto acima: Fig 1: Disco embrionário (blastodisco) com um halo em formato de anel em ovo do dia da postura (DIAS, E. A., 2019).

 

INTRODUÇÃO

É sabido que a presença do galo é benéfica na criação de galinhas, pois além de promover proteção para o seu grupo, a sua introdução melhora a produção de ovos, reduz o índice de mortalidade e amplia o repertório de comportamentos naturais (PEREIRA, 2016). Por outro lado, essa prática levará à produção de ovos galados (ovos fecundados), mas isso não é necessariamente um problema. A legislação (DECRETO 9.013 – RIISPOA de 29/03/2017) permite a comercialização de ovos galados como sendo de categoria A quando este apresentar a cicatrícula (ou blastodisco) com desenvolvimento imperceptível (Art. 225 – V), proibindo somente a venda de ovos oriundos de estabelecimentos avícolas de reprodução (Art. 226 – III). Os macrobióticos inclusive indicam o seu consumo em função da energia vital contida neste tipo de alimento.

 

ASPECTOS FISIOLÓGICOS

O óvulo das aves é classificado como telolécito, pois possui uma grande quantidade de vitelo para alimentar o embrião durante o seu desenvolvimento, ocupando praticamente toda a célula. Já a formação deste embrião é dividida em quatro fases: 1) clivagem ou segmentação; 2) gastrulação; 3) neurulação e 4) organogênise. Nas aves, diferentemente dos mamíferos, a primeira etapa do desenvolvimento embrionário – a clivagem, é parcial (meroblástica) e discoidal, formando um blastoderma de camada dupla em formato de anel (TULLET, 2010). Nesta fase inicial acontece apenas uma multiplicação celular sem a formação de tecidos ou órgãos. A formação da linha primitiva no eixo longitudinal do embrião, onde se desenvolverão a cabeça e a espinha dorsal da ave, só ocorrerá a partir de no mínimo de 20h da postura, na fase de gastrulação (HILL, 2021). Assim sendo, nos primeiros dias após a postura, o ovo galado apresenta na superfície da gema apenas o disco embrionário (blastodisco) com um halo em formato de anel. É importante não confundir o disco embrionário com a chalaza, estrutura proteica esbranquiçada e em espiral cuja função é centralizar a gema dentro do ovo. Na ovoscopia, só será possível visualizar alguma alteração em ovos galados no terceiro dia da postura, quando o sistema circulatório começa a se tornar aparente (KANASE et al., 2015). Outro aspecto importante a ser levado em consideração é a sensibilidade do embrião das aves que necessita de uma temperatura controlada entre 36-37°C para se desenvolver (DIAS e MÜLLER, 1998), além de uma viragem constantemente.

 

Fig. 2: Formação do sistema circulatório em ovo de três dias após a postura (KANASE et al., 2015).

 

CONCLUSÃO

Portanto, se a coleta e a correta armazenagem dos ovos galados acontecer no mesmo dia da postura, o desenvolvimento embrionário ficará estacionado na fase da clivagem e, se este ovo ainda for acondicionado em temperatura de geladeira, a garantia da interrupção do seu crescimento será maior ainda.

 

REFERÊNCIAS:

DIAS, P. F.; MÜLLER, Y. M. R Características do desenvolvimento embrionário de Gallus gallus domesticus, em temperaturas e períodos diferentes de incubação. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., São Paulo, v. 35, n. 5, p. 233-235, 1998.

HILL, M.A. Chicken Development (2021, March 26) Embryology. Disponível em: <https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/Chicken_Development>. Acesso em: 25 de março de 2021.

KANASE, A; PACHAPURKAR, S.; MANE, A.; JADHAV, J. Implementation of ex-ovo chick embryo development model for evaluation of angiogenesis and vasculogenesis studies. European Journal of Pharmaceutical and Medical Research, 2(5):1680-1689. January 2015.

PEREIRA, D. C. O.Presença de galos em um sistema alternativo de produção de ovos visando o bem-estar animal. Dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestra em Ciências. Área de concentração: Engenharia de Sistemas Agrícolas. Universidade de São Paulo. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, 81 p. Piracicaba/SP, 2016.

RIISPOA – REGULAMENTO DA INSPEÇÃO INDUSTRIAL E SANITÁRIA DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL, DECRETO 9.013 DE 29/03/2017, BRASIL.

Disponível em: Acesso em: 26 de abril de 2021.

TULLETT, S. Ross Tech – Investigação das Práticas de Incubação, Departamento de Transferência Técnica da Aviagen, setembro/2010.

Disponível em: <https://docplayer.com.br/10490406-Incubacao-investigacao-das-praticas-de-incubacao-setembro-2010-ross-tech-como-investigar-as-praticas-de-incubacao.html> Acesso em: 25 de março de 2021.

* Eduardo Antunes Dias é Médico Veterinário pela UFPel, mestre e doutor em Reprodução Animal pela FMVZ/USP. Professor dos cursos de Agroecologia e Licenciatura em Educação do Campo da FURG – Campus São Lourenço do Sul.

Contato: eduardo.dias@furg.br

A VEZ DA PECUÁRIA OVINA: O PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO DA CARNE E SUAS POTENCIALIDADES

Por Etho Medeiros*

Foto acima: Vitrine da Carne Ovina Expointer.

Nos últimos anos, aspectos ligados a qualidade dos alimentos protagonizaram discussões que envolvem a relação entre o consumidor final e os produtores. Os consumidores passaram a ser mais exigentes e a demandar a forma como os alimentos eram produzidos e os seus respectivos significados. De forma concomitante, esse cenário também pode ser observado na produção de carne ovina. Historicamente, o consumo de carne ovina esteve fortemente ligado a fatores culturais ou regionais, como no caso das regiões de criação de ovelhas no Sul do Brasil. Entretanto, a partir da década de 1980, o mercado nacional passou por transformações, com a expansão e consolidação de novas regiões produtoras (Regiões Centro-Oeste e Norte) e a emergência de novos mercados consumidores (Região Sudeste).

Antes tido como um produto majoritariamente regional, rústico e ligado a sistemas de produção secundários, a pecuária ovina experimentou a expansão do seu mercado por meio de fatores ligados a qualidade do produto, maior poder aquisitivo da população, formação de mercados mais exigentes, diferenciação e oferta dos produtos, certificação e selos de qualidade, inovação comercial e público consumidor mais urbanizado. Essa nova realidade pode ser percebida na maior utilização da carne ovina em espaços gastronômicos mais sofisticados (gastronomização da carne) e em mercados consumidores localizados em grandes centros urbanos.

Com isso, nos habituamos com a presença mais constante de cortes de ovinos na gastronomia e na alta culinária (principalmente paleta, o carré, costela e pernil). Certamente, a mídia, os discursos culinários e gastronômicos, os livros, os programas televisivos, as receitas, e os manuais e guias; igualmente, foram instrumentos eficientes e necessários para a composição desse cenário por meio do apelo gastronômico. Esse incremento na oferta esteve lastreado na formação de uma demanda mais exigente e que busca, acima de tudo, qualidade do produto e experiência gastronômica inigualável.

Desse modo, é prudente afirmar que há uma mobilização em torno da (re)valorização da carne ovina em meio a certos significados de qualidade, e que vão ao encontro a demandas orientados pelas novas lógicas de consumo. Basta observar as práticas produtivas utilizadas até então, que foram sendo modificadas para atender a esse novo mercado: a carne de ovelha ou animais mais velhos passou a ser substituída pelo cordeiro; a mudança das raças utilizadas e do padrão genético foi gradual; o surgimento de novos cortes comerciais e subprodutos foi incentivado; e a reorganização
da cadeia foi viabilizada para atender a demanda por meio da oferta frequente (menos sazonal) e em maior escala.

Esse cenário denota a possibilidade de uma janela de oportunidade para os pecuaristas e uma forma de alavancar o consumo e a produção de carne ovina. Ainda hoje, um dos principais gargalos para o consumo são a pouca disponibilidade do produto no mercado, pouco hábito no consumo (12% da população nunca consumiram carne de ovinos), e falta de cortes adequados e comerciais adequados ao prepara no dia a dia (Revista Embrapa Pecuária Sul, 2018). Entretanto, se observa que o mercado cresce nos últimos anos. Segundo dados preliminares do Censo Agropecuário de 2017, o mercado de ovinos teve expansão de 47,2% em um período de 10 anos (2006-2017) (IBGE, 2017). Além disso, em 2018, o mercado da carne ovina mobilizou 41,6 milhões de dólares, representando 76,4% de tudo que foi produzido na pecuária ovina (CIM, 2018).

Logo, como resultado dessas transformações, temos as mudanças nas dinâmicas e práticas produtivas que devem ser empregadas pelos pecuaristas para o atendimento dessa nova demanda. Nesse sentido, surgem processos que residem cada vez mais na capacidade de criar oferta de produtos cárneos ovinos para diferentes mercados, desde nichos altamente especializados (tradicionais e sensoriais) e de alta gastronomia a mercados de consumo em massa. Atender a esses pontos possibilita a atividade uma maior profissionalização e agregação de valor para a atividade, de forma que se possa conquistar e formar consumidores frequentadores assíduos de restaurantes e locais de comercialização do produto. Embora haja desafios, o potencial da carne ovina é enorme!

 

*Etho Roberio Medeiros Nascimento. Zootecnista, Mestre em Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis – MASTS/UNILAB, Doutorando em Desenvolvimento Rural (PGDR), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: ethoroberio@gmail.com

QUEIJO COLONIAL NO RIO GRANDE DO SUL: DE PRODUTO DE SUBSISTÊNCIA À RENDA DAS MULHERES DO CAMPO

Por Larissa Bueno Ambrosini*

Foto acima:  Produtores de Queijo Colonial, descendentes de imigrantes italianos – região da Quarta Colônia.

 

Os queijos tradicionais são produtos marcados pela identidade local, uma vez que os recursos naturais e os conhecimentos envolvidos em sua elaboração são frutos da história de diferenciação dos sistemas agrários ao longo do tempo. Eles mobilizam uma sequência complexa de recursos naturais (solo, pastagens, clima) e técnicas (domesticação de plantas e animais, seleção e melhoramento de plantas e animais, receitas de elaboração e afinagem). Por esse motivo, considera-se que os queijos tradicionais constituem patrimônio de um território. No Rio Grande do Sul, há dois queijos tidos como tradicionais: o Queijo Serrano e o Queijo Colonial.

O Queijo Colonial é produzido e encontrado em muitas regiões dos estados do Sul do Brasil. Sua origem está relacionada à imigração europeia, especialmente a italiana e a alemã. O termo colonial tem relação com as “colônias”, ou lotes de terras destinados aos imigrantes quando vieram ocupar essa região entre 1824 e 1900. No Rio Grande do Sul, o Queijo Colonial é um produto encontrado em diferentes tipos de varejo e muito conhecido pelos consumidores, entretanto ainda há poucas pesquisas sobre sua história. O objetivo desse texto é apresentar um dos aspectos dessa história: a alteração do papel desse produto dentro dos estabelecimentos rurais, resgatando a importância das mulheres – principais guardiãs desse saber-fazer.

Produtora de Queijo Colonial, descendente de imigrantes italianos – região do Vale do Taquari.

 

A história do Queijo Colonial no Rio Grande do Sul começa quando os colonos conseguem obter os primeiros animais, depois de construírem casas para as famílias e estabelecerem as primeiras plantações. O leite era utilizado primeiramente para assegurar as necessidades alimentares da própria família. Uma das formas de se aproveitar o leite que sobrava era processá-lo, assim as mulheres, especialmente as de origem italiana, passaram a produzir queijo.

As mulheres, mães e filhas, eram as principais responsáveis pelo trato com os animais, cabendo a elas também a produção do queijo, que era feito nas cozinhas das casas. Os ingredientes utilizados eram apenas leite não pasteurizado, coalho (produzido a partir do estômago de animais) e sal. Esse queijo era consumido após uma semana a dez dias de maturação, e seu formato variava entre redondo, quadrado ou retangular. A maior parte do queijo era consumida pela própria família, porém, algumas peças excedentes eram vendidas ou trocadas. Eram as mulheres que se encarregavam disso, trocando seu queijo por artigos que não podiam produzir, como café, sal, tecidos e cadernos para as crianças. Por ser destinado em grande parte para autoconsumo ou trocas em armazéns locais, o produto não consta nos registros oficiais de produção e comercialização.

Propriedade com agroindústria de queijo na região da Serra Gaúcha.

 

Em meados dos anos 1950, a bovinocultura de leite se desenvolveu no estado, fazendo com que muitos produtores se especializassem e aumentassem a produção de leite. Nesse contexto surgiram também pequenas agroindústrias que produziam queijo e abasteciam as cidades maiores. Ainda não havia regulamentação acerca da fiscalização sanitária, e as pequenas fábricas utilizavam, além de matéria prima própria, também leite de outros produtores.

As principais diferenças com relação ao Queijo Colonial de fabricação caseira eram o volume, os equipamentos e as instalações. Os ingredientes, porém, eram os mesmos, apesar do coalho utilizado ser o industrial. Outro traço distintivo está nos responsáveis pela produção, nesse caso, os homens. Até meados de 1970 essa produção convive com o crescimento da indústria de laticínios no estado e com a evolução da legislação e da fiscalização sanitária, sendo aos poucos inviabilizada por esses fatores.

Paralelamente as propriedades que se especializaram, melhorando o padrão racial dos animais, passaram a produzir leite para indústrias e cooperativas. Nesse momento, a maior parte do leite era vendida, entretanto um pouco ficava na propriedade para produção de queijo. Esse queijo era vendido para amigos e familiares, e o dinheiro da venda era a renda das mulheres.

Após meados de 1990, muitos produtores passaram a ter dificuldades em atender exigências de qualidade e volume demandados pela indústria e aumentaram o volume de leite processado na propriedade. O queijo caseiro passa a ter uma importância maior dentro das propriedades. Sua venda proporciona não apenas uma renda para as mulheres, mas assegura também o pagamento de despesas correntes, como água, luz e telefone.

Apesar do papel do queijo ter ganhado mais importância dentro da propriedade, as mulheres ainda têm papel de destaque, sendo na maioria dos casos, as responsáveis pelo processamento e pela preservação desse saber-fazer.

Forma de madeira utilizada antigamente na produção do Queijo Colonial de formato redondo.

 

O futuro do Queijo Colonial, no entanto, parece incerto. Primeiramente, observamos que o processo de esvaziamento do campo e envelhecimento da população rural atinge também essas propriedades. Mas, constatamos também que as dificuldades para legalização da produção em pequena escala impedem investimentos por parte dos atuais produtores e minam o interesse das novas gerações na atividade.

 

FOTOS: Fernando Dias (Secretaria da Agricultura Pecuária e Desenvolvimento Rural do Estado do Rio Grande do Sul)

* Larissa Bueno Ambrosini. M.Veterinária, Mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR-
UFRGS), Doutora em Gestão (Université de Bourgogne/França) e Pós-Doutora em
Desenvolvimento Rural (PGDR-UFRGS). Pesquisadora do Departamento de
Diagnóstico e Pesquisa da Secretaria da Agricultura Pecuária e Desenvolvimento Rural
do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail: larissabueno@gmail.com

QUEIJO DO MARAJÓ: TRADIÇÃO, HISTÓRIA E RESISTÊNCIA DE CONHECIMENTOS E DE MODOS DE PRODUÇÃO FAMILIAR

Por Elcio Costa do Nascimento*

Foto acima: Búfalo, animal símbolo da Ilha do Marajó. Acervo pessoal do autor.

A modernização das sociedades baseou-se em um processo homogeneizador de costumes, buscando criar um padrão comum de práticas e hábitos de consumo, oferecendo tanto facilidades na vida diária, quanto uma proposta de qualidade de vida e status social baseado no consumo de produtos e alimentos industrializados. Entretanto, o consumo exagerado desses produtos com elevado nível calórico, gorduras e açucares tem afetado o padrão alimentar atual, ocasionando preocupações relacionadas à obesidade e a doenças cardiovasculares. Paralelamente, casos de contaminação de alimentos, preocupam os consumidores em relação à segurança dos alimentos e, contribuem na construção de novos padrões de consumo, que visam alimentos livres de contaminantes, mais naturais e procedentes de um sistema socialmente justo, em oposição ao industrializado.

Neste contexto de revalorização dos produtos artesanais rurais, a produção de queijo do Marajó, no Pará, tem sido fortalecida, aumentando sua procura e possibilitando a continuidade de sua produção. O queijo de búfala da Ilha de Marajó é considerado produto fruto de sistema familiar de produção, assegurado por meio da transmissão do conhecimento entre as gerações, com forte ligação com o território no qual é produzido e comercializado.

O modo de produção preserva aspectos tradicionais no que diz respeito à criação dos animais e no processamento do queijo. Este último, em sua maioria, produzido em pequenas queijarias próximas as propriedades (alguns produzidos nas cozinhas das casas), utilizando equipamentos simples, com pouco ou nenhuma automação, e ferramentas rústicas, como: a peneira de Jacitara (planta local), a colher de pau, mesas de madeira e papel manteiga na embalagem do produto. Embora considerados inadequados pelos órgãos de fiscalização, são considerados essenciais na garantia da qualidade do queijo. Portanto, seu uso é defendido pelos produtores que afirmam que a mudança afetaria sabor, textura e a qualidade final do produto, demonstrando modo de produção baseado no conhecimento tradicional e de movimento em preservá-lo e, assim, garantir as características que diferenciam o queijo do Marajó.

A tradição na produção e nos conhecimentos relacionados a essa prática são preservados pelos guardiões da região. Os guardiões são produtores que detêm tanto o conhecimento produtivo quanto elevada reputação na comunidade, adquiridos ao longo dos anos de experiência e prática na produção do queijo do Marajó, colaborando na conservação e no desenvolvimento de inovações e adaptações necessárias para melhorar a qualidade do produto final. Adaptações necessárias devido à intensificação da fiscalização sanitária na década de 1990, acarretando melhorias nas práticas de processamento do leite, da produção do queijo e na comercialização do produto. Entretanto, a fiscalização baseada em uma legislação de 1950, que defini normas para as etapas de produção, processamento e comercialização e exigi grandes estruturas e equipamentos, não leva em consideração o porte da produção e aspectos econômicos, sociais e culturais da pequena produção, incapacitando-a de se adequar e obter as liberações necessárias.

 Queijaria típica da região da Ilha do Marajó.  Acervo pessoal do autor.

Apesar da revalorização do rural ter elevado o debate sobre a legalização e reconhecimento de formas de produção tradicional e as novas legislações reconhecerem a importância da produção artesanal, as mesmas pouco discutem uma flexibilização de critérios que facilitariam a atuação e a participação do pequeno produtor no mercado formal. Realidade refletida nos números de queijarias registradas pelo órgão estadual de inspeção sanitária (ADEPARÁ). Das 39 unidades produtoras de queijo levantadas, apenas sete possuíam o registro do órgão, das quais apenas duas são queijarias de pequenos produtores.

Porém, vale destacar a importância da complexa rede social desenvolvida e mantida entre produtores e consumidores do queijo marajoara, especialmente diante de determinadas preferências tanto por produtos – considerados de melhor sabor, consistência e paladar -, quanto por produtores – devido às técnicas utilizadas e a uma qualidade apreciada pelos consumidores. Rede social que possibilita a formação de redes locais de comercialização, que em épocas de intensificação da fiscalização e apreensão de produtos, permite que os pequenos produtores continuem produzindo e comercializando sua produção, por meio do desenvolvimento de laços de confiança, na qualidade e na certeza de estarem consumindo produto que não gera riscos à saúde.

Entretanto, esse debate entre produção artesanal e fiscalização sanitária está longe de finalizada, considerando a recente aprovação do Decreto nº 9.918/2019, que reconhece as características únicas e o diferencial do produto artesanal e institui o selo ARTE, que identificará produtos com ou sem qualidade. Entretanto clarifica o significado de “Boas práticas de produção” e como o processo de fiscalização será conduzido, podendo, ou não, reproduzir ações atuais que impossibilitam a produção artesanal.

 

Elcio Costa do Nascimento – Zootecnista, Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável/NEAF/UFPA, Doutorando em Desenvolvimento Rural (PGDR), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: elcioncosta@gmail.com

OS MERCADOS DA OVINOCULTURA NA PECUÁRIA FAMILIAR DO PAMPA BRASILEIRO

 

Por Rodrigo Gisler Maciel *

O estado brasileiro do Rio Grande do Sul tem sua historicidade fortemente atrelada ao desenvolvimento da pecuária, na qual traços culturais, econômicos e ambientais mesclam-se com as diferentes formas de ocupação territorial, sistemas de produção, estrutura fundiária e organização dos mercados. A pecuária ovina se destaca assim como uma atividade característica do Pampa, onde, a partir do século XVII, nas regiões de fronteira do estado a criação de ovinos ganhou espaço juntamente com a pecuária bovina.

Apesar da imagem difundida do Pampa gaúcho caracterizado por extensas áreas de campo, poucos homens e muito gado, o cenário agrário desse território foi constituído por sistemas produtivos e uma sociedade mais complexos. A origem da ovinocultura no Rio Grande do Sul deu-se em uma diversificada paisagem agrária, com predomínio de sistemas produtivos mistos e grande parte dos estabelecimentos rurais com rebanhos de até 200 cabeças. A presença histórica de pecuaristas de pequeno e médio porte atuando com os grandes criadores, caracterizados por menores áreas de terra, uso de mão de obra predominantemente familiar e relativa autonomia em relação ao mercado, indica uma categoria social denominada pecuaristas familiares.

A ovinocultura no Rio Grande do Sul sempre apresentou como característica a criação voltada ao consumo de proteína animal nos estabelecimentos rurais, principalmente entre os pecuaristas familiares. A atividade também apresentou, desde seu início, um elemento importante na economia daqueles pecuaristas, seja na comercialização de carcaças, de animais vivos, de lã ovina, na produção e venda de artesanatos em lãs, na troca por outros animais ou serviços, entre outras formas.

Atualmente, conforme o último censo agropecuário de 2017, o rebanho ovino gaúcho está composto por cerca de 2,6 milhões de cabeças, e, 78% desse rebanho situa-se nas regiões localizadas no Pampa brasileiro. O número total de estabelecimentos rurais com ovinos no estado hoje é de 47.063, sendo cerca de 80% dos mesmos com até duzentos hectares (conforme a Lei nº13.515, de 2010, são considerados pecuaristas familiares no Rio Grande do Sul aqueles com propriedades de até trezentos hectares). Na região do Pampa, os estabelecimentos com ovinos de até duzentos hectares representam 38% do total estadual, o que sinaliza a representatividade da pecuária familiar na ovinocultura gaúcha, e, sobretudo do Pampa.

 

Percebe-se que a produção ovina é hoje realizada na região em grande parte por pecuaristas familiares, assemelhando-se ao cenário verificado no século XIX. Assim, o contexto atual destoa daquela imagem usualmente aceita pelo senso comum de que a produção dá-se, fundamentalmente, em grandes fazendas com restritas relações sociais no seu interior (originadas nas estâncias comerciais do final do século XIX). Certamente, esta é parte do atual contexto da pecuária no Rio Grande do Sul, porém, verifica-se que um grande número de pequenas propriedades rurais desenvolveu-se juntamente com a ovinocultura nos campos sulinos.

Com base na atual estrutura produtiva e considerando as mudanças na configuração do setor após a década de 1990, algumas evidencias sugerem uma reorientação da ovinocultura gaúcha voltando-se a produção para o mercado de carnes. Fundamentado na ideia de “reorientação da ovinocultura gaúcha”, diversos agentes de desenvolvimento vêm atuando no sentido de explanar e conjecturar mercados para esta atividade pecuária.

No âmbito das políticas públicas, a criação de um fundo de desenvolvimento setorial, programas, projetos e ações de incentivo a reestruturação da cadeia produtiva são observados. No mesmo sentido, esforços de articulação dos atores envolvidos na ovinocultura estadual, como encontros, seminários e simpósios, centrados na elevação da competitividade do setor são visualizados com maior intensidade. Pesquisas acadêmicas que possuem como mote os mercados da ovinocultura, usualmente embasadas nos preceitos do agribusiness, fundamentam a miúdo, e tomam como objeto de análise, as ações empíricas acima citadas. Observam-se nestes estudos aspectos relacionados à competitividade, modernização, integração e coordenação das cadeias produtivas, bem como os gargalos e desafios da ovinocultura.

Considerações sobre a heterogeneidade presente na produção ovina, a participação da pecuária familiar, bem como a pluralidade de seus mercados são muitas vezes menosprezadas nas pesquisas acadêmicas atualmente conduzidas. Por outro lado, observam-se na literatura algumas pesquisas voltadas a investigar tais questões, com ênfase na construção social dos mercados para a ovinocultura e nas estratégias de enfrentamento da produção de base familiar frente à homogeneização dos mercados. Tais estudos ressaltam o enraizamento dos mercados da ovinocultura na pecuária familiar em fatores não econômicos, na sua maior parte.

A pouca relevância atribuída pela perspectiva da competitividade nas cadeias produtivas em relação à heterogeneidade dos pecuaristas familiares, no que diz respeito a seus modos de produção e relações com os mercados, resultam geralmente na vinculação desta categoria social com a ineficiência do setor, apresentando-os de forma marginal e limitando os estudos de seus mercados e consequentemente a elaboração de estratégias de ação por parte do Estado e dos atores ligados ao setor.

* Rodrigo Gisler Maciel. Graduado em Administração, especialista em Desenvolvimento Territorial e Agroecologia (UERGS), mestre em Extensão Rural (UFSM) e doutorando em Desenvolvimento Rural (UFRGS). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pecuárias (GEPPec/ UFRGS). E-mail: rodrigo.gisler@gmail.com

ALIMENTOS ORGÂNICOS FAZEM DIFERENÇA PARA O CONSUMIDOR?

Por Angela Escosteguy*

 

O consumo de alimentos orgânicos cresce no Brasil e em todo o mundo. Seus defensores afirmam que eles combinam qualidade e sustentabilidade e que estão cada vez mais valorizados porque são produzidos num sistema de produção que é amigável com o planeta, preserva a biodiversidade, respeita o bem-estar dos animais e atende as expectativas dos consumidores que buscam alimentos saudáveis e saborosos.

A produção dos chamados alimentos orgânicos iniciou na Europa nos anos 70 com o objetivo de produzir alimentos livres de resíduos de agrotóxicos usados no modelo convencional industrial de produção. A preocupação é procedente e válida até hoje, pois de lá para cá, se por um lado a chamada agricultura orgânica evoluiu, o sistema convencional, baseado no uso de agrotóxicos, sementes transgênicas e outros químicos sintetizados, por seu lado, cresceu muito também. As consequências são evidentes e graves. A presença de resíduos de agrotóxicos e outras produtos tais como hormônios, antibióticos, parasiticidas e etc. são uma realidade e vem causando muitos problemas para os consumidores.

 

PREOCUPAÇÃO COM OS RESÍDUOS TÓXICOS NOS ALIMENTOS

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), “ já em 2009, alcançamos a indesejável posição de maior consumidor mundial de agrotóxicos, ultrapassando a marca de 1 milhão de toneladas, o que equivale a um consumo médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante”. Infelizmente, este número segue aumentando, pois conforme o Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)”de 2015,  “o  país consome, em média, 7,2 litros por pessoa de veneno a cada ano, o que resulta em mais de 70 mil intoxicações agudas e crônicas em pessoas”. Além disso, Relatório da ANVISA, sobre a análise de 12.051 amostras de 25 alimentos representativos da dieta brasileira, monitoradas entre 2013 e 2015, revela que 58% das amostras estão contaminadas por agrotóxicos e que, deste total, 19,7% foram consideradas amostras insatisfatórias, seja porque apresentam limites acima do permitido (3%), seja porque apresentam agrotóxicos não autorizados no Brasil (18,3%).

A situação é bastante preocupante pois conforme o INCA “ Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos podem ser citados infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer”.  Tudo depende do produto, da concentração e da sensibilidade individual de cada um.

 

INFLUÊNCIA DA QUALIDADE DA DIETA NOS CONSUMIDORES

Para evitar a ingestão de agrotóxicos e outras drogas indesejadas e potencialmente tóxicas, muitos passaram a consumir os alimentos orgânicos. Entretanto   vários se perguntam se consumir alimentos orgânicos realmente faz diferença no seu corpo.

Para avaliar o efeito da alimentação convencional e a orgânica nas pessoas, Cynthia Curl e colaboradores analisaram 4.500 pessoas de quatro cidades dos Estados Unidos, comparando pessoas que consumiam alimentos orgânicos com as demais. O estudo revelou que indivíduos que consumiam mais alimentos orgânicos tinham menos resíduos de agrotóxicos na urina. “ Diz-me o comes e te direi os níveis de agrotóxicos no teu corpo”, sentenciou Cynthia Curl, a autora do trabalho.

O Instituto de Pesquisas Ambientais da Suécia fez um experimento com uma família de cinco pessoas, sendo três crianças.  Após trocar sua alimentação para dieta orgânica por apenas 2 semanas, os níveis de agrotóxicos nos seus corpos (sangue e urina) caíram significativamente.  Veja o vídeo com detalhes do experimento realizado na Suécia. Opção com legenda em português no próprio vídeo.

 

 

FONTES CITADAS  (Disponíveis na Biblioteca Virtual deste Portal)

CURL C.L. Estimating pesticide exposure from dietary intake and organic food choices: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA). Environ Health Perspect. 2015 May;123(5):475-83. doi: 10.1289/ehp.1408197. Epub 2015 Feb 5.

Dossiê ABRASCO: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, 2015.

Posicionamento do instituto nacional de câncer josé alencar gomes da silva acerca dos agrotóxicos. Www.inca.gov.br. Acessado em 16/08/2018.

http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/comunicacao/posicionamento_do_inca_sobre_os_agrotoxicos_06_abr_15.pdf

Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) – Relatório das Analises de Amostras Monitoradas no Período de 2013 a 2015, 2016.

 

* Angela Escosteguy é médica-veterinária e Presidente do IBEM. E-mail: ibembrasil.org@gmail.com

CARNE FRACA E A INOCUIDADE ALIMENTAR

Por Carlos Nabinger*

Inocuidade é a capacidade de um alimento não causar mal àquele que o consome, que não é nocivo. E uma característica que o consumidor tem colocado à frente de outras exigências, pois é a saúde que está em jogo. Essa inocuidade depende de fatores intrínsecos ao produto (associados geralmente ao modo como o alimento foi produzido) e extrínsecos (dependentes de outros fatores, como processamento e embalagem, transporte, forma de conservação e tempo de prateleira). 

Especificamente no caso da carne “in natura” uma forma de garantir a inocuidade é dar preferência a marcas, programas ou selos que garantam uma forma de produção, abate e processamento compatíveis com a segurança desejada. Esse é o caso de programas de carne de qualidade associados a raças ou de certificações como a Indicação de Procedência da Associação dos Produtores do Pampa da Campanha Meridional – Apropampa, ou de arranjos produtivos como da Associação de Produtores dos Campos de Cima da Serra – Aproccima, e mais recentemente, a iniciativa internacional Alianza del Pastizal. Essa última reúne produtores do Rio Grande do Sul, Uruguai, Argentina e Paraguai e alicerça seu sistema de produção de gado de corte nos campos nativos (pastizales). Do mesma maneira que a Apropampa e Aproccima, valorizam a carne produzida com base nesse recurso natural formidável que são os campos naturais da região. Esses apresentam uma diversidade vegetal tal que propicia ao animal uma dieta totalmente diferenciada, variada e capaz de proporcionar uma carne absolutamente saudável, com tem demonstrado vários experimentos locais que avaliam a qualidade (perfil de ácidos graxos, sabor e odor, por exemplo). Dessa forma, estaria cumprido o primeiro requisito da inocuidade que são os fatores intrínsecos. O segundo requisito – fatores extrínsecos – depende dos frigoríficos e da rede do varejo. Ambos submetidos a controles que, apesar do rigor e dos custos associados finalmente são desejados pelos mesmos, pois representam, por um lado a garantia de que o produto mantém aquelas qualidades geradas no campo e, por outro lado, é condição para manter a necessária confiança do consumidor na questão sanitária. Por isso, podemos ter certeza de que apesar dos estragos produzidos pela forma de veiculação da “operação carne fraca”, o consumidor pode ficar tranquilo quanto ao seu consumo, pois o tipo de fraude levantado, embora existente, não é da monta que alguns pretenderam dar. Nossa carne é absolutamente inócua e a cadeia produtiva não merece pagar por isso.  

*Carlos Nabinger é mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia, professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS.

Texto publicado originalmente em: ZERO HORA, Caderno Campo e Lavoura, coluna Palavra do Especialista – Produção Sustentável. 01 e 0TEXTO 2/04/2017, no 1718, p.3.