QUEIJO COLONIAL NO RIO GRANDE DO SUL: DE PRODUTO DE SUBSISTÊNCIA À RENDA DAS MULHERES DO CAMPO

Por Larissa Bueno Ambrosini*

Foto acima:  Produtores de Queijo Colonial, descendentes de imigrantes italianos – região da Quarta Colônia.

 

Os queijos tradicionais são produtos marcados pela identidade local, uma vez que os recursos naturais e os conhecimentos envolvidos em sua elaboração são frutos da história de diferenciação dos sistemas agrários ao longo do tempo. Eles mobilizam uma sequência complexa de recursos naturais (solo, pastagens, clima) e técnicas (domesticação de plantas e animais, seleção e melhoramento de plantas e animais, receitas de elaboração e afinagem). Por esse motivo, considera-se que os queijos tradicionais constituem patrimônio de um território. No Rio Grande do Sul, há dois queijos tidos como tradicionais: o Queijo Serrano e o Queijo Colonial.

O Queijo Colonial é produzido e encontrado em muitas regiões dos estados do Sul do Brasil. Sua origem está relacionada à imigração europeia, especialmente a italiana e a alemã. O termo colonial tem relação com as “colônias”, ou lotes de terras destinados aos imigrantes quando vieram ocupar essa região entre 1824 e 1900. No Rio Grande do Sul, o Queijo Colonial é um produto encontrado em diferentes tipos de varejo e muito conhecido pelos consumidores, entretanto ainda há poucas pesquisas sobre sua história. O objetivo desse texto é apresentar um dos aspectos dessa história: a alteração do papel desse produto dentro dos estabelecimentos rurais, resgatando a importância das mulheres – principais guardiãs desse saber-fazer.

Produtora de Queijo Colonial, descendente de imigrantes italianos – região do Vale do Taquari.

 

A história do Queijo Colonial no Rio Grande do Sul começa quando os colonos conseguem obter os primeiros animais, depois de construírem casas para as famílias e estabelecerem as primeiras plantações. O leite era utilizado primeiramente para assegurar as necessidades alimentares da própria família. Uma das formas de se aproveitar o leite que sobrava era processá-lo, assim as mulheres, especialmente as de origem italiana, passaram a produzir queijo.

As mulheres, mães e filhas, eram as principais responsáveis pelo trato com os animais, cabendo a elas também a produção do queijo, que era feito nas cozinhas das casas. Os ingredientes utilizados eram apenas leite não pasteurizado, coalho (produzido a partir do estômago de animais) e sal. Esse queijo era consumido após uma semana a dez dias de maturação, e seu formato variava entre redondo, quadrado ou retangular. A maior parte do queijo era consumida pela própria família, porém, algumas peças excedentes eram vendidas ou trocadas. Eram as mulheres que se encarregavam disso, trocando seu queijo por artigos que não podiam produzir, como café, sal, tecidos e cadernos para as crianças. Por ser destinado em grande parte para autoconsumo ou trocas em armazéns locais, o produto não consta nos registros oficiais de produção e comercialização.

Propriedade com agroindústria de queijo na região da Serra Gaúcha.

 

Em meados dos anos 1950, a bovinocultura de leite se desenvolveu no estado, fazendo com que muitos produtores se especializassem e aumentassem a produção de leite. Nesse contexto surgiram também pequenas agroindústrias que produziam queijo e abasteciam as cidades maiores. Ainda não havia regulamentação acerca da fiscalização sanitária, e as pequenas fábricas utilizavam, além de matéria prima própria, também leite de outros produtores.

As principais diferenças com relação ao Queijo Colonial de fabricação caseira eram o volume, os equipamentos e as instalações. Os ingredientes, porém, eram os mesmos, apesar do coalho utilizado ser o industrial. Outro traço distintivo está nos responsáveis pela produção, nesse caso, os homens. Até meados de 1970 essa produção convive com o crescimento da indústria de laticínios no estado e com a evolução da legislação e da fiscalização sanitária, sendo aos poucos inviabilizada por esses fatores.

Paralelamente as propriedades que se especializaram, melhorando o padrão racial dos animais, passaram a produzir leite para indústrias e cooperativas. Nesse momento, a maior parte do leite era vendida, entretanto um pouco ficava na propriedade para produção de queijo. Esse queijo era vendido para amigos e familiares, e o dinheiro da venda era a renda das mulheres.

Após meados de 1990, muitos produtores passaram a ter dificuldades em atender exigências de qualidade e volume demandados pela indústria e aumentaram o volume de leite processado na propriedade. O queijo caseiro passa a ter uma importância maior dentro das propriedades. Sua venda proporciona não apenas uma renda para as mulheres, mas assegura também o pagamento de despesas correntes, como água, luz e telefone.

Apesar do papel do queijo ter ganhado mais importância dentro da propriedade, as mulheres ainda têm papel de destaque, sendo na maioria dos casos, as responsáveis pelo processamento e pela preservação desse saber-fazer.

Forma de madeira utilizada antigamente na produção do Queijo Colonial de formato redondo.

 

O futuro do Queijo Colonial, no entanto, parece incerto. Primeiramente, observamos que o processo de esvaziamento do campo e envelhecimento da população rural atinge também essas propriedades. Mas, constatamos também que as dificuldades para legalização da produção em pequena escala impedem investimentos por parte dos atuais produtores e minam o interesse das novas gerações na atividade.

 

FOTOS: Fernando Dias (Secretaria da Agricultura Pecuária e Desenvolvimento Rural do Estado do Rio Grande do Sul)

* Larissa Bueno Ambrosini. M.Veterinária, Mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR-
UFRGS), Doutora em Gestão (Université de Bourgogne/França) e Pós-Doutora em
Desenvolvimento Rural (PGDR-UFRGS). Pesquisadora do Departamento de
Diagnóstico e Pesquisa da Secretaria da Agricultura Pecuária e Desenvolvimento Rural
do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail: larissabueno@gmail.com

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