MOBILE HEN HOUSE

Por Eduardo Antunes Dias*

Uma das maiores preocupações nas criações orgânicas de animais é com o bem-estar animal. Atualmente, os parâmetros para avaliação do bem-estar foram redefinidos pelo projeto Europeu Welfare Quality® em ­quatro princípios: I- O princípio da nutrição: Os animais devem estar bem nutridos e sem sede e fome prolongadas II- O princípio do estado sanitário: Os animais devem apresentar ausência de dor associada ao manejo ou instalações inadequadas, ausência de ferimentos e de doenças; III- O princípio das Instalações: área de descanso confortável, conforto térmico e facilidade de movimento e de expressar seus comportamentos inatos; IV- O princípio do comportamento: Garantir a expressão de comportamentos sociais adequados, a expressão de comportamentos inatos, uma boa relação homem e animal e estados emocionais positivos para os animais manejados.

 

GALINHEIRO MÓVEL: ESTRUTURA

Uma estrutura interessante e funcional para o manejo de galinhas ao ar livre é o galinheiro móvel. Os alunos da disciplina de Instalações Rurais do curso de Agroecologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), campus São Lourenço do Sul / RS, realizaram em 2017 um exercício de construção de um galinheiro móvel que aproveitasse ao máximo a disponibilidade de materiais de baixo custo em propriedades familiares. Como o bambu é um material leve e amplamente encontrado nestes locais, decidiu-se por construir um galinheiro móvel seguindo as técnicas de bioconstrução. Salienta-se que um galinheiro móvel em piquetes de pastagem limitados por cerca elétrica atende o bem-estar das aves. Outra questão que um criador orgânico deve observar é a Instrução Normativa 46 de 06/10/2011 que regulamenta os Sistemas Orgânicos de Produção Animal. Nela estão descritos aspectos importantes sobre as áreas abertas e sobre a densidade animal. No Art. 36 consta que as pastagens devem ser compostas por vegetação rasteira e arbórea para cumprir sua função ecossistêmica e propiciar o sombreamento necessário ao bem-estar da ave em pastejo. É importante ressaltar que uma ave que pasta poderá promover uma economia na ordem de 25% do consumo de ração, já que uma galinha chega a consumir até 1,5% do seu peso vivo em pasto. Já o  Art. 38 coloca que para aves poedeiras, as densidades máximas em área externa deve ser de 3 m2 /galinha em sistema extensivo ou 1 m2 /ave no piquete, em sistema rotacionado. Sobre as áreas fechadas, como no caso do galinheiro móvel, o Art. 39 descreve que para as poedeiras a densidade máxima é de 6 galinhas/m2.

Julgamos que os poleiros não devem ser com paus roliços ou ripas com cantos vivos, pois podem prejudicar o equilíbrio ou machucar os dedos das aves. O melhor poleiro é aquele feito com uma ripa de 5 cm de largura e com os cantos arredondados. Já a dimensão ideal dos ninhos é de 40 x 40 x 40 cm, calculando-se um ninho para cada 4 aves. A nossa proposta adaptou uma caixa plástica (pallet) para esta finalidade e adotou poleiros horizontais a 50 com do solo para amenizar as disputas hierárquicas. Calculou-se 30 cm de poleiro por ave e a distância entre um e outro de 40 cm, no mínimo. Sobre as dimensões dos fios da cerca elétrica para aves adultas, elegemos uma altura máxima de 35 cm, sendo o primeiro fio a 8 cm do solo, o segundo a 12 cm do primeiro e o terceiro a 15 cm do segundo. A cerca elétrica pode reduzir em até 70% os custos com as instalações.

 

LOCALIZAÇÃO E ASPECTOS AMBIENTAIS

É importante que a localização do galinheiro móvel deva estar de acordo com as condições locais (direção dos ventos), considerando-se também a época do ano e a hora do dia em que a irradiação solar é mais alta (orientação solar), para diminuir assim a insolação da construção e aumentar ou diminuir a ventilação. O galinheiro móvel da FURG – SLS foi construído nas dimensões de 3m x 1,5m x 1,8m, no formato de cabana. Uma tela de galinheiro foi usada para fechá-lo, sendo esta coberta por uma lona plástica que permitia, em uma das suas laterais, o seu funcionamento como cortina. Na lateral oposta, que era fixa, foi preso sobre a lona embalagens de leite UHT com a face metálica exposta visando refletir os raios solares e manter assim o conforto térmico das aves no seu interior. O bebedouro foi confeccionado com garrafas PET de 2 litros segundo o modelo preconizado pela EMBRAPA, com uma capacidade para 10 aves, e o comedouro foi construído com uma das metades de bambu, com uma capacidade de 7 cm por ave. A finalidade do galinheiro móvel é de promover abrigo, principalmente à noite, e um local para o arraçoamento, hidratação e postura. No restante do tempo, as galinhas devem ficar no piquete pastando. Concluímos que um galinheiro móvel construído com bambus, associado a um piquete limitado por cerca elétrica, é a forma mais prática, fácil e rápida de promover o bem-estar animal, bem como de propiciar o correto manejo de uma área de pastagem.

Bibliografia:

http://www.welfarequality.net/en-us/news/assessment-protocols/

 

*Eduardo Antunes Dias, Médico Veterinário pela UFPel, Mestrado e Doutorado em Reprodução Animal pela FMVZ/USP. Professor do curso de Agroecologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), campus São Lourenço do Sul (SLS).

Contato: eduardo.dias@furg.br

ANIMAL WELFARE

Por Elisa Cristina Modesto*

O termo bem estar pode ter várias definições, conforme Hurnik (1992), bem-estar animal é o “estado de harmonia entre o animal e seu ambiente, caracterizado por condições físicas e fisiológicas ótimas e alta qualidade de vida do animal”. É importante observar se os animais conseguem expressar suas atividades de forma natural e “feliz”, possuem qualidade de vida.

Na tentativa de construir um consenso em torno da definição de bem-estar, Fraser et al. (1997) sintetizaram as três principais questões éticas que, segundo eles, são levantadas pela sociedade em relação à qualidade de vida dos animais. Primeiro, os animais deveriam sentir-se bem, ou seja, deveriam atingir seus interesses, os quais consistiriam basicamente em estar livres de sentir medo e dor e em poder ter experiências prazerosas. Em segundo lugar, deveriam também ter um bom funcionamento, isto é, poder satisfazer as suas necessidades de saúde, crescimento, fisiologia e comportamento. Por último, os animais deveriam viver vidas naturais, ou seja, deveriam poder viver e desenvolver-se da maneira para a qual estão adaptados.

Como saber se os animais estão “felizes” ou em um ambiente que propicie bem estar? Podem ser feitas medidas fisiológicas com o intuito de obter informações sobre a homeostase do organismo. Desta forma, são mensuradas temperatura retal, frequência respiratória, frequência cardíaca, níveis hormonais, respostas imunológicas e alterações no crescimento. Para o produtor, estas medias podem ser difíceis de implantar, pois podem ter interferência de fatores genéticos, ambientais e medidas científicas que implicam em análises laboratoriais. No entanto, observar o animal, além de não custar nada, é muito prazeroso. Assim o produtor pode visualizar o estado geral do rebanho e/ou do animal, como: animais afastados do grupo, respiração rápida, diarreia, falta de apetite, inquietude, agressividade, etc. Quando o bem estar não está adequado, a produção animal mostra os reflexos, ou seja, há uma diminuição do ganho de peso, atraso na reprodução, mortalidade e a qualidade do produto final apresenta indicadores que algo não vai bem na produção.  Para evitar a perda de produção em um rebanho e melhorar a qualidade de vida dos animais, o produtor pode adotar sistemas que propiciem um maior bem estar, como instalações que não sejam escorregadias, uso de sistemas silvipastoris (uso de sistemas integrais, árvores, pastagem e animais), desmama natural ou fazer desmama controlada e muitos outros manejos que propiciem benefícios para os animais.

É importante destacar que um animal feliz, pasteja, ingere alimentos, ganha peso, manifesta o cio e diante da presença do homem não se assusta, pelo contrário, sente se seguro, assim há uma perfeita interação homem e natureza.

*Elisa Cristina Modesto é zootecnista, professora do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

IMPORTÂNCIA DO BEM-ESTAR NA SANIDADE ANIMAL

Por  Julia Eumira Gomes Neves Perini*

 

A ciência do bem-estar animal tem sido cada vez mais difundida e entendida pelos criadores de animais. Antigamente o bem-estar animal era visto como uma forma de diminuir os lucros, ou como uma barreira de exportação. Atualmente os criadores já perceberam que a ciência do bem-estar animal vem no sentido de ensinar boas práticas de manejo que visam o respeito ao comportamento natural do animal, o cuidado com sua saúde, o conforto ambiental e o status mental do animal e que por consequência trazem, na maioria das vezes, um menor custo de produção.

FOTO 1: Bezerras criadas em casinhas tropicais recebendo a escovação e mamando em baldes com bicos (foto de Lívia Magalhães – Grupo- ETCO)

Alguns estudos evidenciam na prática que pequenas alterações no manejo são suficientes para melhorarem o status sanitário dos animais e por consequência sua produtividade. Em sua tese de doutorado a zootecnista Lívia Magalhães evidenciou que a adoção de algumas boas práticas de manejo como: a escovação dos bezerros que imita a lambida da vaca, o aleitamento em baldes com bicos (que permitem o bezerro expressar seus comportamentos de sucção) e a desmama progressiva (que o bezerro vai acostumando aos poucos com a diminuição da quantidade de leite ingerido) foi o suficiente para reduzir de 18% para 7% a frequência de diarreia nos animais quando comparado com o manejo convencional que possui pouca interação, desmame abrupto e em baldes.

Em uma segunda etapa de sua pesquisa a Dra. Livia Magalhães separou as bezerras em quatro lotes: bezerras que mamaram o colostro na mãe com e sem escovação diária após a separação, e bezerras que eram separadas imediatamente da mãe e recebiam colostro na mamadeira com e sem escovações diárias. A concentração plasmática       de IgG no sangue (mg/ml) foi de 30 a 40%  maior nas 72 horas após ao nascimento nas bezerras escovadas quando comparadas com as bezerras que não receberam. A escovação nas bezerras ativa o sistema imunológico e explica a importância do comportamento das lambidas das vacas nos bezerros. Isto refletiu na diminuição da frequência de diarreia em 30 a 50%, e 15 a 20 % da frequência de pneumonia pré-desmama quando comparadas com as bezerras não escovadas.

 

FOTO 2: Bezerras criadas em bezerreiros coletivos ( foto: Lívia Magalhães- Grupo ETCO)

Resultados parecidos foram encontrados em minha pesquisa de doutorado na comparação de matrizes suínas criadas em gaiolas com matrizes suínas criadas em baias coletivas. Matrizes criadas coletivamente apresentaram menor frequência de diarreia (2% a menos), constipação (19%) e bursites (6%). A maior interação entre as matrizes, a possibilidade de correr, caminhar e fuçar reduziu em 16% a frequência de comportamentos estereotipados quando comparados com as matrizes criadas em gaiolas.

Os exemplos de pesquisas citados acima demonstram que o conhecimento do comportamento das espécies e o respeito a expressão destes comportamentos diminuem o estresse dos animais e por consequência permitem o organismo a estabelecer mecanismos de defesas mais eficientes e duradouros. A idéia de que o isolamento do animal melhora a sanidade por reduzir as chances de contágio de doenças já está ultrapassada. Sabemos que o isolamento social de animais que naturalmente vivem em grupos leva a expressão de comportamentos anormais, como o engolir ar em cavalos, enrolar a língua e mastigação no vácuo dos suínos e bovinos e etc.

A presença destes comportamentos indica que os animais estão buscando uma forma de compensar o estresse vivenciado pela restrição de espaço, contato social e ambiente pouco estimulante.  Desta forma o organismo desvia a energia de manutenção do equilíbrio fisiológico que potencializa o ganho de peso e a defesa imunológica para a compensação do estresse. O estresse libera o cortisol no organismo que diminui a produção das células de defesa de longa duração, como o IgG, o que ocasiona um maior aparecimento de doenças, como a diarreia, pneumonia, etc. Portanto o isolamento social pode até potencializar o aparecimento de doenças e o aumento das mortalidades dos filhotes.

Alguns manejos exigem alterações estruturais como a criação de matrizes gestantes em baias coletivas versus as gaiolas, o que exige um maior investimento inicial, porém com retornos financeiros mais rápidos (próximo tema a ser debatido).  Outros exigem apenas alterações no manejo como a adoção da escovação, aleitamento com bicos, que permitem a expressão do comportamento de sucção, a criação coletiva que permite uma maior interação social, respeitando o comportamento gregário dos animais e em contrapartida exige poucos investimentos e grandes retornos produtivos.

O importante é conhecer a espécie que estamos criando, não só em termos produtivos e necessidades nutricionais, como principalmente no âmbito comportamental. Desta forma a chance de se obter sucesso e um maior lucro no seu empreendimento, em longo prazo, aumenta substancialmente.

 

*Julia Eumira Gomes Neves Perini  é médica veterinária e professora do Instituto Federal de Brasília – Campus Planaltina.