OS MERCADOS DA OVINOCULTURA NA PECUÁRIA FAMILIAR DO PAMPA BRASILEIRO

 

Por Rodrigo Gisler Maciel *

O estado brasileiro do Rio Grande do Sul tem sua historicidade fortemente atrelada ao desenvolvimento da pecuária, na qual traços culturais, econômicos e ambientais mesclam-se com as diferentes formas de ocupação territorial, sistemas de produção, estrutura fundiária e organização dos mercados. A pecuária ovina se destaca assim como uma atividade característica do Pampa, onde, a partir do século XVII, nas regiões de fronteira do estado a criação de ovinos ganhou espaço juntamente com a pecuária bovina.

Apesar da imagem difundida do Pampa gaúcho caracterizado por extensas áreas de campo, poucos homens e muito gado, o cenário agrário desse território foi constituído por sistemas produtivos e uma sociedade mais complexos. A origem da ovinocultura no Rio Grande do Sul deu-se em uma diversificada paisagem agrária, com predomínio de sistemas produtivos mistos e grande parte dos estabelecimentos rurais com rebanhos de até 200 cabeças. A presença histórica de pecuaristas de pequeno e médio porte atuando com os grandes criadores, caracterizados por menores áreas de terra, uso de mão de obra predominantemente familiar e relativa autonomia em relação ao mercado, indica uma categoria social denominada pecuaristas familiares.

A ovinocultura no Rio Grande do Sul sempre apresentou como característica a criação voltada ao consumo de proteína animal nos estabelecimentos rurais, principalmente entre os pecuaristas familiares. A atividade também apresentou, desde seu início, um elemento importante na economia daqueles pecuaristas, seja na comercialização de carcaças, de animais vivos, de lã ovina, na produção e venda de artesanatos em lãs, na troca por outros animais ou serviços, entre outras formas.

Atualmente, conforme o último censo agropecuário de 2017, o rebanho ovino gaúcho está composto por cerca de 2,6 milhões de cabeças, e, 78% desse rebanho situa-se nas regiões localizadas no Pampa brasileiro. O número total de estabelecimentos rurais com ovinos no estado hoje é de 47.063, sendo cerca de 80% dos mesmos com até duzentos hectares (conforme a Lei nº13.515, de 2010, são considerados pecuaristas familiares no Rio Grande do Sul aqueles com propriedades de até trezentos hectares). Na região do Pampa, os estabelecimentos com ovinos de até duzentos hectares representam 38% do total estadual, o que sinaliza a representatividade da pecuária familiar na ovinocultura gaúcha, e, sobretudo do Pampa.

 

Percebe-se que a produção ovina é hoje realizada na região em grande parte por pecuaristas familiares, assemelhando-se ao cenário verificado no século XIX. Assim, o contexto atual destoa daquela imagem usualmente aceita pelo senso comum de que a produção dá-se, fundamentalmente, em grandes fazendas com restritas relações sociais no seu interior (originadas nas estâncias comerciais do final do século XIX). Certamente, esta é parte do atual contexto da pecuária no Rio Grande do Sul, porém, verifica-se que um grande número de pequenas propriedades rurais desenvolveu-se juntamente com a ovinocultura nos campos sulinos.

Com base na atual estrutura produtiva e considerando as mudanças na configuração do setor após a década de 1990, algumas evidencias sugerem uma reorientação da ovinocultura gaúcha voltando-se a produção para o mercado de carnes. Fundamentado na ideia de “reorientação da ovinocultura gaúcha”, diversos agentes de desenvolvimento vêm atuando no sentido de explanar e conjecturar mercados para esta atividade pecuária.

No âmbito das políticas públicas, a criação de um fundo de desenvolvimento setorial, programas, projetos e ações de incentivo a reestruturação da cadeia produtiva são observados. No mesmo sentido, esforços de articulação dos atores envolvidos na ovinocultura estadual, como encontros, seminários e simpósios, centrados na elevação da competitividade do setor são visualizados com maior intensidade. Pesquisas acadêmicas que possuem como mote os mercados da ovinocultura, usualmente embasadas nos preceitos do agribusiness, fundamentam a miúdo, e tomam como objeto de análise, as ações empíricas acima citadas. Observam-se nestes estudos aspectos relacionados à competitividade, modernização, integração e coordenação das cadeias produtivas, bem como os gargalos e desafios da ovinocultura.

Considerações sobre a heterogeneidade presente na produção ovina, a participação da pecuária familiar, bem como a pluralidade de seus mercados são muitas vezes menosprezadas nas pesquisas acadêmicas atualmente conduzidas. Por outro lado, observam-se na literatura algumas pesquisas voltadas a investigar tais questões, com ênfase na construção social dos mercados para a ovinocultura e nas estratégias de enfrentamento da produção de base familiar frente à homogeneização dos mercados. Tais estudos ressaltam o enraizamento dos mercados da ovinocultura na pecuária familiar em fatores não econômicos, na sua maior parte.

A pouca relevância atribuída pela perspectiva da competitividade nas cadeias produtivas em relação à heterogeneidade dos pecuaristas familiares, no que diz respeito a seus modos de produção e relações com os mercados, resultam geralmente na vinculação desta categoria social com a ineficiência do setor, apresentando-os de forma marginal e limitando os estudos de seus mercados e consequentemente a elaboração de estratégias de ação por parte do Estado e dos atores ligados ao setor.

* Rodrigo Gisler Maciel. Graduado em Administração, especialista em Desenvolvimento Territorial e Agroecologia (UERGS), mestre em Extensão Rural (UFSM) e doutorando em Desenvolvimento Rural (UFRGS). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pecuárias (GEPPec/ UFRGS). E-mail: rodrigo.gisler@gmail.com

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