QUAL ALIMENTO QUEREMOS NA MESA?
Por Angela Escosteguy *
O dia mundial da alimentação nos convida a uma reflexão. Dois pontos são básicos: qual o melhor modelo de produção de alimentos e quais alimentos queremos para o futuro. Cada vez mais nos damos conta dos limites físicos do planeta, do crescimento da população, da destruição dos ecossistemas e da diminuição das terras agricultáveis tanto pelo mau manejo quanto pelo avanço das cidades.
A revolução verde no século passado nos envolveu com sua tecnologia, com a avalanche de insumos químicos e suas promessas. O arsenal de fertilizantes químicos, agrotóxicos, medicamentos veterinários e depois os transgênicos nos fascinaram, mas não cumpriram sua principal promessa de acabar com a fome, além de provocar inúmeros problemas de contaminação do ambiente, pessoas e alimentos e, ainda, elevar os custos de produção. Sem dúvida houve grande aumento da produção de alimentos no mundo, entretanto a fome não foi resolvida. E o Brasil é um claro exemplo disso, somos o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, principalmente grãos e carne e, no entanto, 33 milhões de brasileiros passam fome. A fome aqui não é por falta de comida.
Em todo o mundo cresce a preocupação com o aquecimento global, com o uso de agrotóxicos e também surgem questionamentos quanto os princípios éticos de criação dos animais mantidos em confinamento onde o bem-estar dos animais é comprometido. Nesta discussão surgem propostas bem diferentes, quase opostas.
Por um lado, multiplicam-se em vários países os modelos agroecológicos de produção de alimentos onde a preservação dos biomas e o bem-estar das pessoas e dos animais é priorizado. Aqui no Brasil, o consumo de alimentos orgânicos vêm aumentando ao redor de 30% ao ano desde a pandemia, provavelmente pela percepção das pessoas de que os orgânicos são mais saudáveis em relação a possíveis resíduos químicos e mais nutritivos, além de mais saborosos. Segundo a FAO, os alimentos orgânicos têm maiores índices de vitaminas, minerais e Ómega 3. Nosso país com sua imensidão de terras férteis, abundancia de águas e clima ameno tem todas as condições para produzir alimentos de origem vegetal e animal em modelos agroecológicos que convivem, preservam e recuperam biomas e os animais silvestres.
Por outro lado, entraram em cena os alimentos de base vegetal que usam como emblema a ilusão de estar salvando o planeta e defendendo os animais. Porém, o que muitos desconhecem é que estes alimentos , na sua grande maioria, são provenientes de monoculturas vegetais que substituem a vegetação natural acabando com o habitat dos animais silvestres. Além disso, a maioria usa toneladas de agrotóxicos que envenenam e diminuem sensivelmente a recuperação dos biomas naturais. Aqui, do nosso Pampa resta cerca de 40% pelo avanço das lavouras principalmente de soja. E ainda, mais recentemente surgiram os alimentos ultra processados e células cultivadas em laboratório trazidos por empresas que apresentam soluções tecnológicas que visam substituir produtos de origem animal e outros alimentos. Assim, alimentos reais e ricos em nutrientes estão desaparecendo gradualmente. Tem mel que não é de abelhas, carne que não vem de animais , leite que não vem da glândula mamária de mamíferos, pescados que não vem da água, todos com um aparência, coloração, aroma e sabor artificiais. Claro que todos somos livres para escolher o que queremos comer, mas o nome deve ser claro e não um engodo. Por que chamar de leite , carne, manteiga, queijo, mel, peixe, produtos oriundos de estratos de plantas ou do cultivo de células em laboratório?
Para Vanda Shiva “ a agricultura industrial está reinventando seu futuro com base na “agricultura falsa” com “alimentos falsos”, com produtos químicos e OGMs, drones de vigilância e spyware. Agricultura sem agricultores, agricultura sem biodiversidade, agricultura sem solo, é a visão de quem já nos levou à beira da catástrofe. É por isso que a carne artificial, investida pelos magnatas gigantes da pecuária industrial, não são alternativas viáveis. Nas últimas décadas, tivemos a ilusão de que os químicos e as corporações eram os que alimentam o mundo, mas o que realmente alimenta o mundo é a terra, o sol, a água, a fotossíntese, os insetos que polinizam os cultivos, os micro-organismos que produzem nutrientes para as plantas e os animais que reciclam e fertilizam o solo e proporcionam nossos alimentos. A comida deixou de ser uma fonte de nutrientes e se tornou um produto, algo com o qual se especula e se obtém um benefício econômico. A grande ameaça para o bem-estar do planeta e a saúde de seus habitantes é a agricultura globalizada e industrial e sua forma de produzir, processar e distribuir os alimentos”.
E você, qual tipo de alimento prefere ter no seu prato?
Referências:
SHIVA, V. ¿Quién alimenta realmente al mundo? El fracaso de la agricultura industrial y la promesa de la agroecología. Trad. Amélia Pérez de Villar. Madrid: Capitán Swing, 2017.
*Angela Escosteguy, médica veterinária, diretora do Instituto do Bem-Estar (IBEM), email: angelaibembrasil@gmail.com.
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