IMPORTÂNCIA DO BEM-ESTAR NA SANIDADE ANIMAL
Por Julia Eumira Gomes Neves Perini*
A ciência do bem-estar animal tem sido cada vez mais difundida e entendida pelos criadores de animais. Antigamente o bem-estar animal era visto como uma forma de diminuir os lucros, ou como uma barreira de exportação. Atualmente os criadores já perceberam que a ciência do bem-estar animal vem no sentido de ensinar boas práticas de manejo que visam o respeito ao comportamento natural do animal, o cuidado com sua saúde, o conforto ambiental e o status mental do animal e que por consequência trazem, na maioria das vezes, um menor custo de produção.
FOTO 1: Bezerras criadas em casinhas tropicais recebendo a escovação e mamando em baldes com bicos (foto de Lívia Magalhães – Grupo- ETCO)
Alguns estudos evidenciam na prática que pequenas alterações no manejo são suficientes para melhorarem o status sanitário dos animais e por consequência sua produtividade. Em sua tese de doutorado a zootecnista Lívia Magalhães evidenciou que a adoção de algumas boas práticas de manejo como: a escovação dos bezerros que imita a lambida da vaca, o aleitamento em baldes com bicos (que permitem o bezerro expressar seus comportamentos de sucção) e a desmama progressiva (que o bezerro vai acostumando aos poucos com a diminuição da quantidade de leite ingerido) foi o suficiente para reduzir de 18% para 7% a frequência de diarreia nos animais quando comparado com o manejo convencional que possui pouca interação, desmame abrupto e em baldes.
Em uma segunda etapa de sua pesquisa a Dra. Livia Magalhães separou as bezerras em quatro lotes: bezerras que mamaram o colostro na mãe com e sem escovação diária após a separação, e bezerras que eram separadas imediatamente da mãe e recebiam colostro na mamadeira com e sem escovações diárias. A concentração plasmática de IgG no sangue (mg/ml) foi de 30 a 40% maior nas 72 horas após ao nascimento nas bezerras escovadas quando comparadas com as bezerras que não receberam. A escovação nas bezerras ativa o sistema imunológico e explica a importância do comportamento das lambidas das vacas nos bezerros. Isto refletiu na diminuição da frequência de diarreia em 30 a 50%, e 15 a 20 % da frequência de pneumonia pré-desmama quando comparadas com as bezerras não escovadas.
FOTO 2: Bezerras criadas em bezerreiros coletivos ( foto: Lívia Magalhães- Grupo ETCO)
Resultados parecidos foram encontrados em minha pesquisa de doutorado na comparação de matrizes suínas criadas em gaiolas com matrizes suínas criadas em baias coletivas. Matrizes criadas coletivamente apresentaram menor frequência de diarreia (2% a menos), constipação (19%) e bursites (6%). A maior interação entre as matrizes, a possibilidade de correr, caminhar e fuçar reduziu em 16% a frequência de comportamentos estereotipados quando comparados com as matrizes criadas em gaiolas.
Os exemplos de pesquisas citados acima demonstram que o conhecimento do comportamento das espécies e o respeito a expressão destes comportamentos diminuem o estresse dos animais e por consequência permitem o organismo a estabelecer mecanismos de defesas mais eficientes e duradouros. A idéia de que o isolamento do animal melhora a sanidade por reduzir as chances de contágio de doenças já está ultrapassada. Sabemos que o isolamento social de animais que naturalmente vivem em grupos leva a expressão de comportamentos anormais, como o engolir ar em cavalos, enrolar a língua e mastigação no vácuo dos suínos e bovinos e etc.
A presença destes comportamentos indica que os animais estão buscando uma forma de compensar o estresse vivenciado pela restrição de espaço, contato social e ambiente pouco estimulante. Desta forma o organismo desvia a energia de manutenção do equilíbrio fisiológico que potencializa o ganho de peso e a defesa imunológica para a compensação do estresse. O estresse libera o cortisol no organismo que diminui a produção das células de defesa de longa duração, como o IgG, o que ocasiona um maior aparecimento de doenças, como a diarreia, pneumonia, etc. Portanto o isolamento social pode até potencializar o aparecimento de doenças e o aumento das mortalidades dos filhotes.
Alguns manejos exigem alterações estruturais como a criação de matrizes gestantes em baias coletivas versus as gaiolas, o que exige um maior investimento inicial, porém com retornos financeiros mais rápidos (próximo tema a ser debatido). Outros exigem apenas alterações no manejo como a adoção da escovação, aleitamento com bicos, que permitem a expressão do comportamento de sucção, a criação coletiva que permite uma maior interação social, respeitando o comportamento gregário dos animais e em contrapartida exige poucos investimentos e grandes retornos produtivos.
O importante é conhecer a espécie que estamos criando, não só em termos produtivos e necessidades nutricionais, como principalmente no âmbito comportamental. Desta forma a chance de se obter sucesso e um maior lucro no seu empreendimento, em longo prazo, aumenta substancialmente.
*Julia Eumira Gomes Neves Perini é médica veterinária e professora do Instituto Federal de Brasília – Campus Planaltina.
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