CONSTRUÇÃO DE MERCADOS DA PECUÁRIA FAMILIAR: OPORTUNIDADES NO PAMPA GAÚCHO

Alessandra Matte1

A pecuária bovina no Brasil ainda está significativamente associada à grilagem de terras, queimadas, desmatamento e conflitos ambientais, especialmente no contexto do bioma Amazônia. De modo que, tem sua imagem relacionada à grande produção, ao latifúndio, a alimentação com concentrado e a consequente alta produção de gases poluentes que impactam negativamente sobre o agravamento do aquecimento decorrente do efeito estufa. Somado a isso, estimativas apontam que 40% da carne bovina consumida no Brasil provem de desmatamento. Em meio a esse contexto, em que a carne, o animal e o ser humano, que tem nessa atividade o seu modo de vida, vem cada vez mais tornando-se vilão diante de tais generalizações. No entanto, a pecuária é mais diversa que está definição massiva.

Os recentes dados do Censo Agropecuário 2017, permitem ilustrar que a pecuária bovina está presente em 50,4% dos estabelecimentos rurais do país, distribuída em todas as regiões. Em que 45% da criação desses animais é realizada sobre pastagens, utilizando pastagens naturais (não cultivada) em 30% dos estabelecimentos desse grupo. Em contexto global, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) destaca que as áreas com pastagens utilizadas como base para a produção de pecuárias cobrem cerca de 70% da área terrestre do mundo. Portanto, esses dados nos permitem refletir que há outras formas de desenvolver pecuária, a exemplo das formas produtivas existentes sobre o bioma Pampa, no sul do país.

Assim, esse texto apresenta a descrição de uma experiência envolvendo a construção social de mercados da pecuária familiar do território Alto Camaquã, localizado no extremo sul do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Nesse Estado encontra-se em torno de 60 mil famílias de pecuaristas familiares, que podem ser definidos enquanto pequenos criadores de bovinos de corte, combinado com sistemas de criação de outros animais em menor escala (ovinos principalmente) e pequenos sistemas de cultivos voltados basicamente para a subsistência, tudo isso fazendo uso de mão de obra familiar associada com a troca de serviços.

No território Alto Camaquã, a pecuária de corte, a mais de três séculos, é a atividade produtiva predominante. Do ponto de vista produtivo, a criação de animais sobre pastagens naturais do bioma Pampa, representa a principal atividade produtiva. A Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC), criada em 2009, compreende em torno de 500 famílias. Em 2017, diante dos avanços e novos interesses dos produtores e demais atores envolvidos no território, é criada a Cooperativa Agropecuária dos Produtores dos municípios que compõem o Território Alto Camaquã, a CooperAlto Camaquã.

A questão dos mercados e do acesso aos canais de comercialização tornou-se um tema de grande interesse das formas familiares de produção, de suas organizações assim como dos formuladores de políticas públicas. No Brasil, têm-se falado cada vez mais em construção social de mercados, o que significa dizer que os mercados são espaços de interação e troca entre produtores e consumidores e, portanto, configuram uma relação social. A carne de cordeiro foi o produto que obteve um processo mais acelerado e fortalecido de comercialização, isso porque a produção ovina é praticada em 100% das propriedades familiares da ADAC, o que amplia a possibilidade de inserção nos mercados por boa parte dos pecuaristas. Entre algumas das características definidas na escolha dos produtos estão aspectos relacionados ao “saber-fazer”, produtos ecológicos (sem uso de insumos externos) e adaptados ao local, paisagem e recursos naturais preservados. A carne de cordeiro vem sendo comercializada por um pequeno frigorífico local, com sede no município de Pinheiro Machado, o qual passou a ser responsável pelo abate e comercialização dos cordeiros. Isso até a construção do frigorífico da CooperAlto Camaquã estar finalizado.

O diferencial desse mercado é a coletividade de seu funcionamento, em que os diferentes atores definiram estratégias de industrialização e comercialização da carne de cordeiro com a marca coletiva do território Alto Camaquã. A qualidade da carne está relacionada às qualidades presentes em ativos culturais, sociais, econômicos, produtivos, institucionais e ambientais presentes no local, os quais estão sendo mobilizados para a diferenciação dos produtos e dos processos de comercialização. Assim, a principal vantagem estratégica desse mercado é que produto gerado está associado à um conjunto de valores premiados pelo mercado, como tradição, natureza, artesanal e local.

 

 

 

 

1 – Alessandra Matte é Zootecnista, Mestre e Doutora em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Pós-Doutoranda em Desenvolvimento Rural – DocFix CAPES/FAPERGS. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pecuárias (GEPPec UFRGS). E-mail: alessandramatte@yahoo.com.br

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