COMER OU NÃO COMER CARNE, EIS A QUESTÃO DO MOMENTO

Por Angela Escosteguy*

Com a tragédia das queimadas na Amazônia e arredores, aumentam as recomendações contra o consumo da carne pois é dito que para criar gado precisa desmatar e ainda, que o gado libera gases de efeito estufa. É importante saber que existem várias maneiras de criar os animais que determinam tanto seu impacto no ambiente quanto na qualidade da carne. Tudo depende de onde e como os animais são criados e alimentados. É um grande equívoco a generalização em torno do consumo de carne imaginando que todas criações são iguais.

A nossa pecuária é completamente diferente da pecuária na Amazônia e dos confinamentos. O Pampa é um bioma de pastagens nativas, portanto aqui nunca houve desmatamento simplesmente porque desde a pré-história pastagens naturais alimentaram herbívoros como os atuais capivaras, antas e veados, dentre outros.

Em relação aos gases de efeito estufa, estudos da Embapa (2018) e vários outros, mostraram que animais alimentados com pastagens emitem menos metano e que as pastagens capturam e estocam carbono assim como as florestas. Além disso, o gado a campo, bem manejado, traz benefícios ao ambiente pois fertiliza o solo com seus dejetos, sendo que inclusive vem sendo usado em vários continentes para recuperar áreas desertificadas. Aqui contribuem para a sobrevivência dos nossos animais silvestres pela preservação do bioma que vêm perdendo espaço a passos largos pelo avanço das lavouras e mineração. Biodiversidade preservada é biodiversidade que gera renda. As pastagens por sua vez, além de alimentar o gado, também realizam uma série de serviços ecossistêmicos essenciais tais como como captura e estocagem de carbono, de águas, recarga dos aquíferos e polinização.

É inegável o papel social e cultural que a pecuária tem no RS. Há mais de 3 séculos a criação de gado é a principal atividade agropecuária, convivendo em harmonia com o ambiente, gerando alimentos, trabalho, renda, fixação no meio rural e identidade cultural para milhares de pessoas. Não podemos deixar de reverenciar a maravilhosa capacidade que os herbívoros têm de transformar pasto e folhas, que são impróprias para consumo humano, em alimento nobre, vestimentas, fertilizantes, energia e tração.

Com a população em crescimento a demanda de alimentos vai aumentar. É fundamental fortalecermos formas de produção sustentáveis. O modelo de produção altamente tecnificado além de caro tem se mostrado danoso ao ambiente. Se comer é um ato político e diretamente relacionado com o ambiente, o consumo consciente nos possibilita escolher qual o tipo de carne preferimos consumir e qual tipo de criação iremos apoiar. Modelos de pecuária ecológica baseada na conservação do campo nativo contribuem para combater o aquecimento global ao mesmo tempo que atendem às necessidades alimentares, sociais e econômicas da população, conservando a sua biodiversidade. E, assim, conforme a FAO, 2019, “ a pecuária pode deixar de ser parte do problema e passar a ser parte da solução”.

*Angela Escosteguy, médica veterinária, diretora do IBEM.

Foto por Augusto Russini.

Artigo publicado no jornal Correio do Povo, em 08/09/2019.

PASTAGENS NATURAIS PRECISAM DE ANIMAIS PARA SEREM SUSTENTÁVEIS

Por Alberto Nagib de Vasconcellos Miguel*

Afinal, por que existem milhões de animais herbívoros em um ambiente (como por exemplo nas savanas africanas), quando em outros eles simplesmente não existem em grandes números?

Animais e meio ambiente estão intimamente ligados. Se um animal vive em um lugar é por que encontra nele as condições ideais para sua sobrevivência e multiplicação. Este animal é necessário para a manutenção desse meio ambiente, se não ele simplesmente desapareceria de lá.

Alguns ambientes terrestres, devido às suas características climáticas, atingem seu o seu auge em termos de produção de massa vegetal antes de Matas e Florestas se estabelecerem. Estes ambientes são conhecidos como “grasslands” ou savanas e pradarias. A característica climática que os mantém neste estádio é a umidade.

A umidade de um ambiente é diferente do volume de chuvas que ela recebe. Por vezes temos um ambiente onde chovem 2.000 ou mesmo 3.000 mm anuais, mas com um período seco prolongado (umidade relativa baixa), o que impede ou retarda o crescimento de árvores. Em nosso país, os representantes mais expressivos das “grasslands” são os Pampas e os Campos Sujos (Cerrados com baixa densidade de árvores e arbustos).

Gado na caatinga, Itaberaba – BA , manejado em Altíssima Densidade (300 mil kg por ha) por curto período de pastejo e longo período de descanso).

 

Os animais herbívoros foram extintos de nossas “grasslands” pela ação do homem, quando de sua chegada ao Brasil, há cerca de 15.000 anos atrás. Nessa época existiam espécies herbívoras em grandes quantidades. A maneira que a Natureza achou para manter esses ambientes foi o incrível aumento de formigas cortadeiras e cupins nessas regiões.

Nestes ambientes, se os animais herbívoros não estão presentes, ocorre um declínio do meio ambiente e este tende a virar um deserto. Uma clara demonstração disso foi o que ocorreu na região do Alegrete – RS. Enquanto os animais não forem reintroduzidos naquele ambiente, somente o emprego de alta tecnologia e muitos insumos pode barrar o avanço de deserto que se criou por lá.

Região do Alegrete – RS. Observem algumas gramíneas perenes tentando sobreviver sem a presença de animais herbívoros.

 

Para muitos, o que falo neste artigo é diametralmente oposto ao que a ciência demonstra. Para muitos, foram os próprios animais que causaram dano ao ambiente. Esse é um assunto polêmico e para uma melhor explicação sobre o fenômeno, gostaria de convidá-los ao blog: www.gerenciamentoholistico.blogspot.com , onde explico em detalhes essa divergência.

Animais não causam destruição dos ambientes onde eles pertencem, o que é o caso dos Pampas e dos Campos Sujos. Onde existem pastos nativos, existem herbívoros e estes herbívoros são parte integrante desse ecossistema.

O que causa a destruição destes ambientes é o manejo dos animais. Se você pensar com calma, verá que nas savanas africanas existem milhões de herbívoros e eles estão lá a milhões de anos. Porque aqueles ambientes não se degradaram? Eles não são diferentes dos nossos cerrados. Apenas não existia a ação do homem.

Em cada situação das savanas africanas onde elas foram cercadas para a criação de parques nacionais, o ambiente se degradou. Somente com o restabelecimento da fauna e com o correto manejo destes animais, agora em um ambiente controlado pelo homem, foi possível conservar o ambiente.

Área mal manejada em Itaberaba – BA, antes da introdução de Gerenciamento Holístico. Observe a trilha formada pelo uso contínuo do mesmo lugar por animais constantemente. Causa de erosão mais abaixo.

 

Traduzindo para o mundo da agropecuária e para o nosso país.  ambientes onde existe a predominância de pastos nativos dependem de animais herbívoros para não se degradarem e somente com a reintrodução destes animais e o manejo adequado para aquelas condições veremos estas áreas retornar à sua máxima produtividade com o menor custo, favorecendo a sociedade.

Casos onde os pastos estão sendo corretamente manejados, com o auxílio de Gerenciamento Holístico, vêm provando constantemente os resultados positivos que essa ferramenta pode trazer. Exemplos existem já na Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Pará, Paraná e outros estados.

*  Alberto Nagib de Vasconcellos Miguel é Engenheiro Agrônomo formado pela ESALQ – USP com Mestrado em Produção Animal Sustentável pelo Instituto de Zootecnia do Estado de São Paulo (IZ – APTA – SP) e Pós-Graduação “latu sensu” em Perícias de Engenharia e Avaliações pela FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado – SP. É praticante de Gerenciamento Holístico e consultor em manejo de pastagens.

O PAMPA, O GADO, A CARNE E OS GAÚCHOS

Por Angela Escosteguy*


Foto de Angela Escosteguy

Temos recebido informações sugerindo diminuir o consumo de carne e mesmo leite porque a criação de gado prejudica o ambiente e o clima, tanto pelo desmatamento quanto pela produção de gases que contribuem para o aquecimento global e ainda, também, porque causa muito sofrimento aos animais.  Serão estas afirmativas verdadeiras de forma absoluta? Todos estes problemas podem ocorrer, sim, mas depende de onde e comoos animais são criados. A maioria destas informações se referem à criação de animais confinados, em países desenvolvidos.

Aqui no Pampa há quase quatro séculos a criação de gado é a principal atividade agropecuária, convivendo em harmonia com a fauna e flora nativa, fornecendo uma ampla gama de produtos e serviços, gerando alimentos, trabalho e renda para milhares de pequenos, médios e grandes produtores rurais. Não é à toa que a imagem que mais representa o RS é o gaúcho montado em seu cavalo conduzindo uma tropa de gado pelo campo.  Não podemos deixar de reverenciar a capacidade que estes animais têm de transformar pasto e folhas, que são impróprias para consumo humano, em carne, leite, couro, lã, fertilizante, energia, força de trabalho e transporte.

Em relação a preocupação com o desmatamento, na verdade no Pampa nunca ocorreu simplesmente porque aqui já existiam pastagens naturais desde a pré-história que alimentavam herbívoros como uma preguiça maior que um elefante e posteriormente outros,  até surgirem os que conhecemos como o veado, as capivaras, as antas, dentre outros. Por isso, os bovinos e outros herbívoros quando chegaram com os europeus, se desenvolveram muito bem pois encontraram clima adequado e pastagens nutritivas. Inclusive os chamados índios pampeanos que aqui habitavam, acabaram por incorporar o gado tendo desenvolvido técnicas de pastoreio, manejo e doma. Alguns historiadores calculam que em 1889 o RS chegou a ter 7 milhões de bovinos (Zarth, 2009). Este equilíbrio começou a ser rompido com a intensificação dos sistemas de produção de alimentos a partir de meados do século passado.


Foto de Rodolfo Martins Hernandes

E o gado, como interage com ambiente? É verdade que gado pode levar ao empobrecimento do solo, mas também pode ser benéfico ao ambiente. Estudos publicados pela Embapa Pecuária Sul (2018), concluem que os animais criados no Pampa, em pastagens naturais bem manejadas, além de emitirem menos metano, estão em um sistema que acumula carbono que é fixado pelas raízes das plantas. Situação bem diferente do que ocorre nos confinamentos onde os animais são alimentados com grãos e rações que precisam ser produzidos, processados, transportados e distribuídos por máquinas, com gasto de energia e liberação de carbono, além da liberação do metano pelos animais e pelos dejetos acumulados. Portanto, o problema não são os animais, mas a maneira como são criados.

Outro benefício direto do gado no campo é a distribuição de seus dejetos ricos em nutrientes e matéria orgânica, que são fundamentais para solos saudáveis. Por isso o gado além de produzir alimento, também contribui para a conservação do bioma que tem uma enorme riqueza de flora e fauna.  Lutzenberger já dizia, o “Pampa é a nossa floresta e nós devemos lutar para que ele não desapareça”. Além disso, as pastagens por sua vez, além de alimentar o gado, também realizam uma série de serviços ecossistêmicos essenciais tais como como captura e estocagem de águas, recarga dos aquíferos, captura e estocagem de carbono e polinização.

É pouco entendido pela nossa sociedade que no Pampa a pecuária não só fornece trabalho e alimento de alto valor nutricional para milhares de pessoas de várias classes sociais do meio urbano e rural, como também é aliada fundamental para a sobrevivência do bioma e dos animais silvestres, muitos já em extinção pela perda de seus habitats.  O gado bem manejado permite manter o ambiente rentável e íntegro como está ocorrendo no Pantanal, o bioma mais preservado do país justamente porque a pecuária orgânica lá está harmonizada com o meio ambiente e com o turismo. Atualmente resta cerca de 40% do Pampa brasileiro que pouco a pouco vem perdendo espaço pelo avanço das monoculturas como soja, a silvicultura e outras que com suas máquinas e agrotóxicos inviabilizam a sobrevivência dos animais silvestres, muitos em extinção e, claro, também eliminam a flora nativa de alto valor.


Foto de Roger Becker

Por último, quanto às válidas preocupações com bem-estar dos dos animais, o gado aqui é criado solto nos campos, ao ar livre, tomando sol e vivendo em grupos familiares com os terneiros mamando nas suas mães por vários meses. Nossa vizinha Argentina, que também cria gado em pastagens nativas do Pampa, há muitos anos exporta para Europa sua carne especialmente valorizada por ser proveniente de gado criado em pastagens e com certificado de bem-estar. Além disso, animais criados em pastagens produzem alimentos com mais vitaminas e minerais além de maiores teores de ômega 3. Inclusive já temos aqui no RS carnes diferenciadas com selo da Alianza del Pastizal, está em curso o selo Carne do Pampa e outros selos para que os consumidores conscientes possam identificar e escolher a carne que querem comprar e o sistema de criação que querem apoiar.

Com a população em crescimento a demanda de alimentos vai aumentar. Toda produção de alimento tem impacto ambiental e quanto mais intensificada pior. É fundamental fortalecermos formas de produção sustentáveis, gerando alimentos e renda.  As pastagens, assim como as florestas têm capacidade de capturar e estocar carbono. Desta forma a pecuária ecológica baseada na conservação do campo nativo também contribui para combater o aquecimento global ao mesmo tempo que atende às necessidades alimentares, sociais e econômicas da população, sem perder a sua biodiversidade, podendo ainda fomentar o turismo. E, assim, conforme a FAO, 2019, “ a pecuária pode deixar de ser parte do problema e passar a ser parte da solução”

* Angela Escosteguy: médica veterinária, diretora do IBEM.
Foto de Capa: Lorenzo Sperandio
 

 

SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS E O PAMPA

Por Carlos Nabinguer*

Boa parte da pesquisa em ecossistemas pastoris como o Pampa está hoje direcionada às formas de sua utilização que permitam aumentar o fornecimento de carne, leite, lã, mel, plantas ornamentais e medicinais

Projetos de desenvolvimento no meio rural, em geral, são centrados no aumento da produtividade física de determinado produto (carne, grãos, madeira, minérios). Raramente constituem verdadeiras políticas no sentido de promover antes de tudo o bem-estar das populações rurais, onde a qualidade do ambiente deveria ser o pilar básico. Essas políticas, unicamente produtivistas, ainda competem com a existência dos recursos naturais, notadamente as pastagens nativas no caso do Rio Grande do Sul. Essas são consideradas como um espaço arcaico, pois supõem a continuação da paisagem colonial onde não seria possível a expansão dos modelos civilizatórios “modernos”.

A crença generalizada do escasso valor dos campos nativos e os benefícios dos modernos modelos de progresso determinaram a conveniência do sacrifício dos campos em favor de maior movimentação financeira. Essa forma de pensar deriva do desconhecimento do verdadeiro potencial produtivo desses campos e da ignorância sobre a razão da existência de uma vegetação definida em determinado habitat. Essas vegetações aí estão por estarem adaptadas àquele ambiente (físico, químico e biológico), mas também para prestarem serviços que geralmente não valoramos financeiramente. Estes serviços podem ser classificados como de provisão (fibras, água potável, forragem, grãos, madeira, produtos medicinais e outros), de regulação (do clima, hídrica, controle de enfermidades e pragas, polinização), culturais (derivados da experiência concreta de habitar o ecossistema, valores estéticos da existência, educativos, turísticos entre outros) e serviços de suporte (formação do solo, ciclagem de nutrientes).

No entanto, o fornecimento desses benefícios está vinculado à saúde do ecossistema, ou seja, sua integridade e sua estabilidade. Os efeitos do nível de substituição e da má utilização dos remanescentes têm um caráter cumulativo que, ao chegar em certo ponto, expressam modificações bruscas e geralmente irreversíveis em todos os serviços. Por isso, boa parte da pesquisa em ecossistemas pastoris como o Pampa está hoje direcionada às formas de sua utilização que permitam aumentar os serviços de provisão (carne, leite, lã, mel, plantas ornamentais e medicinais), mas de forma sustentável (leia mais em zhora.co/camponativo). Outra preocupação da pesquisa está direcionada para a recuperação, ao menos de parte, do que foi destruído, para retomar os serviços ecossistêmicos acima descritos.

Por tudo isso, é preciso mais entendimento por parte dos tomadores de decisão da importância do que se está falando, para que, finalmente, tenhamos algum dia uma verdadeira política voltada à conservação do Pampa e tudo o que a ele está associado, como a nossa própria cultura.

*Carlos Nabinger é mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia, professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS. Contato: nabinger@ufrgs.br

Texto publicado originalmente em Gaúcha ZERO HORA,  Caderno Campo e Lavoura em 06/01/2018.

CAMPO NATIVO GARANTE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL

Por Carlos Nabinger*

Os campos do sul brasileiros, representados pelos Campos de Altitude dentro do Bioma Mata Atlântica no norte do RS e pelos campos do Bioma Pampa na metade sul, são patrimônios naturais cujo valor ainda não sabemos avaliar adequadamente. Apesar da cultura e a economia gaucha terem sido alicerçadas nesses ecossistemas, a maioria das pessoas ainda os vê apenas como uma forma de produzir gado ou, ainda pior, apenas como reserva de terra para praticar outras formas de agricultura. Na verdade, o valor dos campos reside primeiramente no fato que a natureza decidiu que esse é o tipo de vegetação mais adequado para o clima e os solos regionais. É ela que permite sequestrar carbono atmosférico, conservar e melhorar os solos, filtrar e armazenar as águas, manter uma fauna particular associada (inclui aí polinizadores e inimigos naturais das pragas e moléstias que afetam as monoculturas) e ainda constituir paisagens de valor cênico inigualável. Portanto, nossos campos são multifuncionais, e a produção de gado é apenas uma de suas funções. E, o mais importante, apenas com manejo adequado da lotação, isto é, sem o uso de insumos modernos (adubos, irrigação, etc.), torna-se uma atividade agrícola sustentável que, por isso mesmo, tem se mantido através de séculos. No entanto, apesar da sua importância ecológica e da potencialidade econômica demonstrada pela pesquisa, o que se observa é uma gradativa substituição dos campos por monocultivos intensivos, ao ponto de reduzir sua cobertura no território estadual dos originais 63% para os atuais 23%. Ressalte-se que a pesquisa demonstra que é possível aumentar em cerca de 300% a produtividade animal em campo nativo apenas com adequado ajuste da carga animal e do diferimento estratégico de potreiros, e ainda melhorando os serviços ecossistêmicos. Isso significa passar da média estadual atual de 70 kg de peso vivo produzidos por hectare/ano para mais de 200 kg sem qualquer custo adicional e ainda produzindo produtos com qualidades superiores para a nutrição e saúde humana. Porque então estamos sempre buscando alternativas a esse uso da terra sem ao menos esgotar as possibilidades que a natureza e a pesquisa estão oferecendo? Certamente pela (1) ignorância dessas possibilidades por parte do produtor e (2) pela falta de políticas públicas (decorrente daquela mesma ignorância) que privilegiem essa pecuária sustentável e que levem a uma maior valorização desse formidável recurso com que a natureza nos brindou. E isso pode ser feito em harmonia com outras formas de ocupação dos territórios e, por que não, remunerando o produtor pelos serviços ecossistêmicos que o campo pode prestar.

*Carlos Nabinger é mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia, professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS.

Texto publicado originalmente em: ZERO HORA, Caderno Campo e Lavoura, coluna Palavra do Especialista – Produção Sustentável. 15 e 16/10/2016, no1694, p.3.

 

CONSTRUÇÃO DE MERCADOS DA PECUÁRIA FAMILIAR: OPORTUNIDADES NO PAMPA GAÚCHO

Alessandra Matte1

A pecuária bovina no Brasil ainda está significativamente associada à grilagem de terras, queimadas, desmatamento e conflitos ambientais, especialmente no contexto do bioma Amazônia. De modo que, tem sua imagem relacionada à grande produção, ao latifúndio, a alimentação com concentrado e a consequente alta produção de gases poluentes que impactam negativamente sobre o agravamento do aquecimento decorrente do efeito estufa. Somado a isso, estimativas apontam que 40% da carne bovina consumida no Brasil provem de desmatamento. Em meio a esse contexto, em que a carne, o animal e o ser humano, que tem nessa atividade o seu modo de vida, vem cada vez mais tornando-se vilão diante de tais generalizações. No entanto, a pecuária é mais diversa que está definição massiva.

Os recentes dados do Censo Agropecuário 2017, permitem ilustrar que a pecuária bovina está presente em 50,4% dos estabelecimentos rurais do país, distribuída em todas as regiões. Em que 45% da criação desses animais é realizada sobre pastagens, utilizando pastagens naturais (não cultivada) em 30% dos estabelecimentos desse grupo. Em contexto global, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) destaca que as áreas com pastagens utilizadas como base para a produção de pecuárias cobrem cerca de 70% da área terrestre do mundo. Portanto, esses dados nos permitem refletir que há outras formas de desenvolver pecuária, a exemplo das formas produtivas existentes sobre o bioma Pampa, no sul do país.

Assim, esse texto apresenta a descrição de uma experiência envolvendo a construção social de mercados da pecuária familiar do território Alto Camaquã, localizado no extremo sul do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Nesse Estado encontra-se em torno de 60 mil famílias de pecuaristas familiares, que podem ser definidos enquanto pequenos criadores de bovinos de corte, combinado com sistemas de criação de outros animais em menor escala (ovinos principalmente) e pequenos sistemas de cultivos voltados basicamente para a subsistência, tudo isso fazendo uso de mão de obra familiar associada com a troca de serviços.

No território Alto Camaquã, a pecuária de corte, a mais de três séculos, é a atividade produtiva predominante. Do ponto de vista produtivo, a criação de animais sobre pastagens naturais do bioma Pampa, representa a principal atividade produtiva. A Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC), criada em 2009, compreende em torno de 500 famílias. Em 2017, diante dos avanços e novos interesses dos produtores e demais atores envolvidos no território, é criada a Cooperativa Agropecuária dos Produtores dos municípios que compõem o Território Alto Camaquã, a CooperAlto Camaquã.

A questão dos mercados e do acesso aos canais de comercialização tornou-se um tema de grande interesse das formas familiares de produção, de suas organizações assim como dos formuladores de políticas públicas. No Brasil, têm-se falado cada vez mais em construção social de mercados, o que significa dizer que os mercados são espaços de interação e troca entre produtores e consumidores e, portanto, configuram uma relação social. A carne de cordeiro foi o produto que obteve um processo mais acelerado e fortalecido de comercialização, isso porque a produção ovina é praticada em 100% das propriedades familiares da ADAC, o que amplia a possibilidade de inserção nos mercados por boa parte dos pecuaristas. Entre algumas das características definidas na escolha dos produtos estão aspectos relacionados ao “saber-fazer”, produtos ecológicos (sem uso de insumos externos) e adaptados ao local, paisagem e recursos naturais preservados. A carne de cordeiro vem sendo comercializada por um pequeno frigorífico local, com sede no município de Pinheiro Machado, o qual passou a ser responsável pelo abate e comercialização dos cordeiros. Isso até a construção do frigorífico da CooperAlto Camaquã estar finalizado.

O diferencial desse mercado é a coletividade de seu funcionamento, em que os diferentes atores definiram estratégias de industrialização e comercialização da carne de cordeiro com a marca coletiva do território Alto Camaquã. A qualidade da carne está relacionada às qualidades presentes em ativos culturais, sociais, econômicos, produtivos, institucionais e ambientais presentes no local, os quais estão sendo mobilizados para a diferenciação dos produtos e dos processos de comercialização. Assim, a principal vantagem estratégica desse mercado é que produto gerado está associado à um conjunto de valores premiados pelo mercado, como tradição, natureza, artesanal e local.

 

 

 

 

1 – Alessandra Matte é Zootecnista, Mestre e Doutora em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Pós-Doutoranda em Desenvolvimento Rural – DocFix CAPES/FAPERGS. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pecuárias (GEPPec UFRGS). E-mail: alessandramatte@yahoo.com.br

O PAMPA PEDE SOCORRO

Carlos Nabinger*

Ecossistemas campestres ocupam 30% da superfície terrestre e estão presentes em todos continentes, menos na Antártida. Ocorrem nas mais variadas condições de precipitação (de 150 a 2 mil milímetros) e temperatura (de 0° a 25ºC). São ecossistemas pastoris, pois essa vegetação, constituída basicamente por gramíneas e outras espécies herbáceas, coevoluiu com herbívoros. No sul do Brasil, esse tipo de vegetação antecedeu a vegetação arbórea, a qual começou a avançar sobre os campos somente quando o clima tornou-se mais úmido e menos frio – há 10 mil anos.

No início da colonização europeia, os campos cobriam quase 70% do território gaúcho, o que determinou que a pecuária fosse a primeira e lógica forma de ocupação. Portanto, as bases da economia e, sobretudo, da cultura regional estão ligadas aos campos. Mas o que geralmente não consideramos é sua multifuncionalidade, ou seja, eles cumprem outras funções muito mais importantes do que a produção animal, de fibras, biocombustíveis, plantas medicinais e ornamentais etc. Seus outros empregos ecossistêmicos incluem a fornecimento de serviços de regulação climática, hídrica, controle de doenças e pragas e polinização. Mas também provê serviços culturais derivados da nossa coexistência concreta com o ecossistema (valores estéticos, educativos, turísticos, entre outros), além de serviços de suporte (sequestro de carbono, formação dos solos, ciclagem de nutrientes e produção primária). E, tudo isso, graças a uma rara e única biodiversidade.

Entretanto, somente ao final do século passado se começou a valorizar os campos por meio dos conceitos de serviços ecossistêmicos. Conceitos que, infelizmente, entre nós não estão bem compreendidos sequer por aqueles que vivem e trabalham no rural e muito menos pelos mentores de políticas públicas. Em consequência, hoje resta menos da metade da área original, altamente fragmentada e de forma desordenada, o que diminui ainda mais sua capacidade de prestação dos aludidos serviços. Ao contrário, quando existem, as políticas estão voltadas majoritariamente para os monocultivos de exportação ou mesmo para a exploração de recursos minerais, os quais representam ameaças para o bioma quando não inseridas em contexto mais holístico que considere a necessária integração de todas as atividades rurais e urbanas com a natureza que as sustenta.

Volto a insistir em educação para a natureza e ações de ordenamento territorial como necessidades urgentes para conservar ao menos parte do bioma e seus serviços e de forma economicamente sustentável. Tecnologia para isso existe, precisamos vontade política.

*Carlos Nabinger é mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia, professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS.

Texto publicado originalmente em ZERO HORA,  Caderno Campo e Lavoura, coluna Palavra do Especialista – Produção Sustentável, 24/07/2018.

RESILIÊNCIA PRODUTIVA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Por Carlos Nabinger*

Sistemas de produção como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o Plantio Direto na Palha (PDP), a Produção Integrada de Frutas (PIF), o Manejo Sustentável de Florestas, a Agricultura Orgânica, a Agricultura Biodinâmica, entre outros, são exemplos de sistemas que buscam a sustentabilidade. Especialmente no RS, cujas características de solo e clima permitem uma alta diversidade de produtos agrícolas (carnes, soja, arroz, milho, fumo, uva, celulose, lã, etc..), a possibilidade de adoção de tais sistemas, é um dos caminhos a ser buscados e incentivados pelas políticas agrícolas. Disponibilidade de tecnologias para isso existe como demonstram a Expointer, Expodireto e outras mostras, através da oferta de insumos como equipamentos, sementes, defensivos, fertilizantes, etc… No entanto, ainda é necessário insistir mais na apropriação de “tecnologias de processos” para que o uso de tais insumos seja feito com a coerência que a sustentabilidade econômica e ambiental exige. Lembrando que tecnologias de processos são aquelas formas de conduzir um cultivo ou uma criação de acordo com o conhecimento de suas relações com o solo, clima e outros organismos vivos, de modo a otimizar seu funcionamento. Como exemplos de tecnologias de processos podemos citar o ajuste da carga animal na produção de bovinos e ovinos, obediência aos zoneamentos edafoclimáticos para definir o que produzir qual cultivar usar e quando plantar, o uso da integração lavoura-pecuária com plantio direto, o controle integrado de pragas, etc.

Mas, quando se fala em produção sustentável é bom ter em mente as anunciadas e já presentes mudanças climáticas. Com mais razão devemos buscar sistemas de produção que sejam resilientes a essas mudanças. Mas resiliência é um atributo altamente dependente da biodiversidade. Biodiversidade que naturalmente temos, mas que a maioria dos atuais sistemas de produção baseados em monocultivos intensivos tem colocado em risco. Mas, felizmente temos saída para isso via os sistemas acima citados e assim poderemos atender as sugestões da Conferência Regional da FAO para América Latina e Caribe de 2016 a qual recomenda que os países “…impulsionem urgentemente estratégias de adaptação aos câmbios climáticos. Um enfoque eficaz de adaptação que deve ser fortalecido pelos países é a diversificação da produção rural e a integração de agricultura e pecuária, atividades florestais, a ordenação do uso de águas e da terra…”. Assim evitaremos surpresas e manteremos a agricultura como fator determinante do desenvolvimento regional. 

*Carlos Nabinger é mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia, professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS

Texto publicado originalmente em ZERO HORA, Caderno Campo e Lavoura, coluna Palavra do Especialista – Produção Sustentável. 04 e 05/03/2017, no 1714, p.6.

GERENCIAMENTO HOLÍSTICO: QUE BICHO É ESSE?

Por Alberto Nagib de Vasconcellos Miguel*

 

Gerenciamento Holístico. Parece algo esotérico, mas não é. O termo holismo vem do grego “holos”, que significa “todo”. Assim, Gerenciamento Holístico é o Gerenciamento de um “todo”.

Este termo foi utilizado pela primeira vez na era moderna pelo general sul africano  Jan Christian Smuts, que escreveu o livro “Holism and Evolution” em 1926.

Depois disto, o termo foi “ressuscitado” por Allan Savory, que escreveu os fundamentos de Gerenciamento Holístico junto com milhares de praticantes desta forma de gerenciamento, que tem como uma de suas características o dinamismo de suas propostas, evoluindo a toda hora para solucionar os problemas mais profundos de nosso campo, que é a base de sustentação de uma sociedade estável.

Mas o que é, realmente, Gerenciamento Holístico?

É uma ferramenta para usarmos na nossa tomada de decisão, que vai garantir que sejamos economicamente viáveis, ambientalmente corretos e socialmente justos hoje e pelo futuro, indefinidamente. Ou seja, que sejamos sustentáveis indefinidamente.

Todos nós somos forçados a tomar decisões várias vezes ao dia, milhares de vezes ao ano, ao longo de nossas vidas. E tomamos estas decisões baseadas em  parâmetros como emoção, finanças, educação, pressão de colegas, pressão da sociedade, pressão da família, racionalização, fuga, pesquisa convencional, sexto sentido, preocupações legais, fluxo de caixa, intuição etc.

Ao final deste processo de pensamento acabamos constantemente com duas, três, quatro ou mais ações que ainda podem ser tomadas para a solução da situação, mas não temos algo que possa garantir nossa sustentabilidade nesta tomada de decisão.

Gerenciamento Holístico vem ajudar neste processo, por meio de questões (testes) dentro de sete diretrizes.

Cada uma destas diretrizes vem satisfazer uma determinada parcela de uma situação referente ao “todo” que está sendo manejado. Mas para que estas diretrizes dêem o resultado esperado é necessário que tenhamos um “Norte” para nos guiar. Senão, vejamos:

Se eu chegar para você e falar que estou levando fogo para sua casa, qual será sua reação? Talvez você fale para não levar, por medo de ter sua casa incendiada. Mas se a razão pela qual estou indo para sua casa é para participar de um churrasco, então temos um “norte” e você de bom grado vai aceitar a minha oferta.

O mesmo acontece com nossas decisões diárias. Elas são tomadas normalmente sem um foco em um “norte”, mas sim na tentativa de se resolver um problema especifico. Se tivéssemos este “norte” ficaria muito mais fácil decidir qual ação nos levaria mais rápido a ele, facilitando nossa decisão. A este “norte” damos o nome de Contexto Holístico.

Para se construir um Contexto Holístico em um “todo” qualquer precisaremos de alguns parâmetros, que devem se encaixar em quatro preceitos:

  1. Declaração de Propósito
  2. Qualidade de Vida
  3. Formas de Produção
  4. Futura Base de Recursos

Com estes preceitos nós normatizamos o nosso Contexto Holístico, contra o qual iremos testar cada ação possível de ser implementada, depois de testá-las com as diretrizes.

E que diretrizes são estas? Aqui vão elas:

  • Causa e Efeito
  • Elo Fraco (financeiro, biológico, social)
  • Reação Marginal
  • Análise do Lucro Bruto
  • Energia e Dinheiro: Usos e Fontes
  • Sustentabilidade
  • Sociedade e Cultura

Estas diretrizes vão garantir que para aquele determinado “todo” que está sob nosso gerenciamento, a tomada de decisão será a que melhor vai trazer benefícios econômicos, ambientais e sociais para todas as pessoas e propriedades (urbanas ou rurais, públicas ou privadas) envolvidas.

Toda vez que interferimos na natureza, através de nossas ações, estamos interferindo em um dos processos fundamentais dos ecossistemas, que são: ciclo da água, ciclo de nutrientes, dinâmica de comunidades e fluxo de energia.  Se causarmos uma mudança em um deles certamente teremos causado mudanças nos outros. Assim é preciso vigiarmos com muita atenção, através de Pontos Críticos de Controle (PCC’s) se a alteração estará melhorando ou piorando nosso sistema de produção.

Interferimos no ambiente com o uso de ferramentas. Estas ferramentas, quaisquer uma que vier à sua mente, recaem em nove grupos. São eles:

  • Criatividade
  • Capital e Trabalho
  • Fogo
  • Pastejo
  • Impacto Animal
  • Organismos Vivos
  • Tecnologia
  • Descanso

Cada uma destas ferramentas interferirá diferentemente em cada “todo”, mesmo que sejam usadas na mesma quantidade, intensidade ou momento. Por isso é tão importante que se conheça o todo profundamente, antes que apliquemos qualquer uma delas.

Gerenciamento Holístico tem três grandes planejamentos que devem ser feitos concomitantemente. São eles: Planejamento Holístico Financeiro (PHF), Planejamento Holístico do Manejo do Pastejo (PHMP) e Planejamento Holístico da Propriedade (PHP). Além deles, devemos fazer um Monitoramento Biológico constante de nossas propriedades para que as ações que promovermos nestas áreas estejam produzindo os efeitos desejados no meio ambiente de nosso todo.

Fui convidado pela Dra. Angela Escosteguy para falar sobre Manejo Holístico de Pastagens, que é onde as Ferramentas Pastejo e Impacto Animal são mais frequentemente aplicadas e o uso de animais é imprescindível. Além destas, estaremos constantemente falando das outras, já que são intimamente ligadas.

Estou à disposição para discutir quaisquer situações ou sanar quaisquer dúvidas que minhas postagens possam gerar. Até a próxima!

*  Alberto Nagib de Vasconcellos Miguel é Engenheiro Agrônomo formado pela ESALQ – USP com Mestrado em Produção Animal Sustentável pelo Instituto de Zootecnia do Estado de São Paulo (IZ – APTA – SP) e Pós-Graduação “latu sensu” em Perícias de Engenharia e Avaliações pela FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado – SP. É praticante de Gerenciamento Holístico e consultor em manejo de pastagens.