O PAMPA, O GADO, A CARNE E OS GAÚCHOS

Por Angela Escosteguy*


Foto de Angela Escosteguy

Temos recebido informações sugerindo diminuir o consumo de carne e mesmo leite porque a criação de gado prejudica o ambiente e o clima, tanto pelo desmatamento quanto pela produção de gases que contribuem para o aquecimento global e ainda, também, porque causa muito sofrimento aos animais.  Serão estas afirmativas verdadeiras de forma absoluta? Todos estes problemas podem ocorrer, sim, mas depende de onde e comoos animais são criados. A maioria destas informações se referem à criação de animais confinados, em países desenvolvidos.

Aqui no Pampa há quase quatro séculos a criação de gado é a principal atividade agropecuária, convivendo em harmonia com a fauna e flora nativa, fornecendo uma ampla gama de produtos e serviços, gerando alimentos, trabalho e renda para milhares de pequenos, médios e grandes produtores rurais. Não é à toa que a imagem que mais representa o RS é o gaúcho montado em seu cavalo conduzindo uma tropa de gado pelo campo.  Não podemos deixar de reverenciar a capacidade que estes animais têm de transformar pasto e folhas, que são impróprias para consumo humano, em carne, leite, couro, lã, fertilizante, energia, força de trabalho e transporte.

Em relação a preocupação com o desmatamento, na verdade no Pampa nunca ocorreu simplesmente porque aqui já existiam pastagens naturais desde a pré-história que alimentavam herbívoros como uma preguiça maior que um elefante e posteriormente outros,  até surgirem os que conhecemos como o veado, as capivaras, as antas, dentre outros. Por isso, os bovinos e outros herbívoros quando chegaram com os europeus, se desenvolveram muito bem pois encontraram clima adequado e pastagens nutritivas. Inclusive os chamados índios pampeanos que aqui habitavam, acabaram por incorporar o gado tendo desenvolvido técnicas de pastoreio, manejo e doma. Alguns historiadores calculam que em 1889 o RS chegou a ter 7 milhões de bovinos (Zarth, 2009). Este equilíbrio começou a ser rompido com a intensificação dos sistemas de produção de alimentos a partir de meados do século passado.


Foto de Rodolfo Martins Hernandes

E o gado, como interage com ambiente? É verdade que gado pode levar ao empobrecimento do solo, mas também pode ser benéfico ao ambiente. Estudos publicados pela Embapa Pecuária Sul (2018), concluem que os animais criados no Pampa, em pastagens naturais bem manejadas, além de emitirem menos metano, estão em um sistema que acumula carbono que é fixado pelas raízes das plantas. Situação bem diferente do que ocorre nos confinamentos onde os animais são alimentados com grãos e rações que precisam ser produzidos, processados, transportados e distribuídos por máquinas, com gasto de energia e liberação de carbono, além da liberação do metano pelos animais e pelos dejetos acumulados. Portanto, o problema não são os animais, mas a maneira como são criados.

Outro benefício direto do gado no campo é a distribuição de seus dejetos ricos em nutrientes e matéria orgânica, que são fundamentais para solos saudáveis. Por isso o gado além de produzir alimento, também contribui para a conservação do bioma que tem uma enorme riqueza de flora e fauna.  Lutzenberger já dizia, o “Pampa é a nossa floresta e nós devemos lutar para que ele não desapareça”. Além disso, as pastagens por sua vez, além de alimentar o gado, também realizam uma série de serviços ecossistêmicos essenciais tais como como captura e estocagem de águas, recarga dos aquíferos, captura e estocagem de carbono e polinização.

É pouco entendido pela nossa sociedade que no Pampa a pecuária não só fornece trabalho e alimento de alto valor nutricional para milhares de pessoas de várias classes sociais do meio urbano e rural, como também é aliada fundamental para a sobrevivência do bioma e dos animais silvestres, muitos já em extinção pela perda de seus habitats.  O gado bem manejado permite manter o ambiente rentável e íntegro como está ocorrendo no Pantanal, o bioma mais preservado do país justamente porque a pecuária orgânica lá está harmonizada com o meio ambiente e com o turismo. Atualmente resta cerca de 40% do Pampa brasileiro que pouco a pouco vem perdendo espaço pelo avanço das monoculturas como soja, a silvicultura e outras que com suas máquinas e agrotóxicos inviabilizam a sobrevivência dos animais silvestres, muitos em extinção e, claro, também eliminam a flora nativa de alto valor.


Foto de Roger Becker

Por último, quanto às válidas preocupações com bem-estar dos dos animais, o gado aqui é criado solto nos campos, ao ar livre, tomando sol e vivendo em grupos familiares com os terneiros mamando nas suas mães por vários meses. Nossa vizinha Argentina, que também cria gado em pastagens nativas do Pampa, há muitos anos exporta para Europa sua carne especialmente valorizada por ser proveniente de gado criado em pastagens e com certificado de bem-estar. Além disso, animais criados em pastagens produzem alimentos com mais vitaminas e minerais além de maiores teores de ômega 3. Inclusive já temos aqui no RS carnes diferenciadas com selo da Alianza del Pastizal, está em curso o selo Carne do Pampa e outros selos para que os consumidores conscientes possam identificar e escolher a carne que querem comprar e o sistema de criação que querem apoiar.

Com a população em crescimento a demanda de alimentos vai aumentar. Toda produção de alimento tem impacto ambiental e quanto mais intensificada pior. É fundamental fortalecermos formas de produção sustentáveis, gerando alimentos e renda.  As pastagens, assim como as florestas têm capacidade de capturar e estocar carbono. Desta forma a pecuária ecológica baseada na conservação do campo nativo também contribui para combater o aquecimento global ao mesmo tempo que atende às necessidades alimentares, sociais e econômicas da população, sem perder a sua biodiversidade, podendo ainda fomentar o turismo. E, assim, conforme a FAO, 2019, “ a pecuária pode deixar de ser parte do problema e passar a ser parte da solução”

* Angela Escosteguy: médica veterinária, diretora do IBEM.
Foto de Capa: Lorenzo Sperandio
 

 

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